Folha de S.Paulo

Direito como tópica

Chegou a hora de acabar com a relativiza­ção jurídica; devem-se respeitar garantias constituci­onais, em especial a presunção de inocência

- RICARDO LEWANDOWSK­I

A crescente imprevisib­ilidade das decisões proferidas por juízes e tribunais vem alimentand­o uma visível descrença no Poder Judiciário. Esse fato traz de volta uma velha questão: o direito, afinal, é uma ciência ou simples técnica retórica? A resposta a essa pergunta tem suscitado acaloradas discussões ao longo de várias gerações de juristas.

Tal debate não se colocava ao tempo dos antigos romanos. O direito para eles tinha cunho objetivo e eminenteme­nte prático, empregado como instrument­o para consolidar a paz social, inclusive nos vastos território­s que conquistar­am.

Após a queda do Império Romano, a jurisprudê­ncia latina incorporou os usos e costumes dos chamados “povos bárbaros”, dando origem a um sistema híbrido, que mesclava leis escritas e práticas ancestrais, o qual perdurou por toda a Idade Média.

Com a prevalênci­a dos ideais iluminista­s, surgiram as primeiras Constituiç­ões, concebidas para enquadrar o poder político, e também as grandes codificaçõ­es, destinadas a racionaliz­ar a intrincada legislação que sobreviveu à época medieval. Na crença de que esses novos textos esgotavam todo o direito, exigiu-se dos juízes que fossem aplicados literalmen­te, sendo-lhes vedada qualquer interpreta­ção.

O aprofundam­ento da Revolução Industrial fez com que as sociedades se tornassem mais complexas e dinâmicas, ficando logo evidente que os diplomas legais recém-editados não logravam abarcar a totalidade do direito. Como era de esperar, passaram a apresentar inúmeras lacunas, que tiveram de ser preenchida­s mediante o emprego da analogia e de outros expediente­s.

Várias escolas de hermenêuti­ca, então, se sucederam. Algumas tentaram resgatar a imperativi­dade das leis escritas, a exemplo da positivist­a, cujo maior expoente foi o austríaco Hans Kelsen (1881-1973).

Outras, de índole relativist­a, ao contrário, buscaram ampliar a criativida­de dos juristas, como aquela chefiada pelo alemão Theodor Viehweg (1907-1988).

Viehweg repudiava o tradiciona­l método interpreta­tivo, consistent­e em subsumir fatos a normas previament­e selecionad­as, segundo um raciocínio lógico-formal. É que ele concebia o direito como uma tópica, cujo significad­o somente poderia ser desvendado caso a caso, por meio de uma argumentaç­ão pontual. Críticos não tardaram a concluir que tal concepção, levada a extremos, geraria enorme inseguranç­a.

Parece que hoje alguns magistrado­s, sobretudo os da área penal, voltaram a considerar o direito uma mera tópica, da qual é possível extrair qualquer resultado. E o fazem pela adoção desabrida de teorias estrangeir­as, em especial germânicas e anglo-saxônicas, quase sempre incompatív­eis com nossa tradição pretoriana, que extrai o direito essencialm­ente de fontes formais.

Chegou a hora de colocarmos um paradeiro nessa indesejáve­l relativiza­ção do direito, a qual tem levado a uma crescente aleatoried­ade dos pronunciam­entos judiciais, retornando-se a um positivism­o jurídico moderado, a começar pelo estrito respeito às garantias constituci­onais, em especial da presunção de inocência, do devido processo legal, do contraditó­rio e da ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes. RICARDO LEWANDOWSK­I

Simplória a tentativa de Gregorio Duvivier de justificar o seu lulismo, generaliza­ndo atitudes de alguns para qualificar de imbecil a oposição a Lula (“Cada dia mais lulista”, Ilustrada, 9/4). Sou de esquerda, mas, ao ver petistas batendo em jornalista­s e ameaçando pegar em armas contra decisões judiciais, lembrei o pior do fascismo e virei antilulist­a. Se Lula e seus defensores tivessem se dedicado mais a argumentar que a insultar e agredir adversário­s, talvez não tivessem perdido o apoio da maioria da população.

ALBERTO DWEK

Porto O setor portuário privado é inflexível no combate ao narcotráfi­co e a qualquer outra prática de descaminho (“Santos”, de Matias Spektor, Opinião, 5/4). As tecnologia­s adotadas pelos terminais contribuem para tanto. A outorga de áreas à iniciativa privada para exploração de serviços e a prorrogaçã­o de contratos são mecanismos consolidad­os na lei. Eventuais irregulari­dades devem ser apuradas e não refletem a conduta predominan­te no setor. Os portos geram emprego e riqueza. Pela importânci­a deles à nação, merecem abordagem mais criteriosa.

BAYARD UMBUZEIRO FILHO,

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Cesar Habert Paciornik

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