Folha de S.Paulo

Em guerra, Rocinha vive sob tensão, e serviços básicos são interrompi­dos

Conflitos entre facções e entre policiais e traficante­s ocorrem desde setembro na comunidade

- LUIZA FRANCO

Em seis meses, o saldo é de ao menos 53 pessoas mortas na favela, entre elas policiais, suspeitos, moradores e uma turista

Marta acorda e olha o celular. Checa nas redes sociais se a polícia está na favela, se há tiros. Espera uns minutos para ver se escuta fogos do lado de fora. Se houver, nem tira os filhos da cama. Se não houver, as crianças vão para a escola, mas passam o dia trocando mensagens com a mãe. Não andam na rua sozinhos.

Assim vivem os moradores da Rocinha desde setembro, quando começaram os conflitos entre facções e também entre policiais e criminosos que deixam os 69 mil moradores da maior favela do Brasil sob medo constante.

O clima entre eles é de quem tenta viver um dia após o outro. As pessoas continuam saindo de casa para cumprir as obrigações do cotidiano ou para se divertir, mas sempre com o possível tiroteio em mente.

“Aqui é assim: se ontem estava ruim, mas hoje está melhorzinh­o, a gente até sai, mas sempre pensando para onde vamos correr se os tiros começarem”, diz Adriana de Medeiros Paz, presidente da associação de moradores.

Enquanto ela conversava com a Folha na sede da associação, por volta das 17h de uma quinta-feira, estouravam fogos na vizinhança, sinal dado pelo tráfico para anunciar a todos que a polícia está por perto.

Desde setembro, quando começou aquilo que os moradores chamam de “guerra”, ao menos 53 pessoas foram mortas ali, entre eles um idoso, uma turista e um homem que estava com um bebê no colo quando foi atingido.

Moradores estão sem acesso a serviços básicos. O programa Justiça Itinerante, que leva juízes, membros do Ministério Público e Defensoria Pública até os cidadãos, foi suspenso. As unidades de saúde estão com as portas abertas, mas os médicos não vão mais até a casa das pessoas. Com isso, pacientes acamados ficam sem atendiment­o.

ONGs que dependem de voluntário­s estão sem mão de obra, e o lazer foi afetado: à noite, as ruas da favela que costumavam ferver agora estão mais vazias.

A violência tem feito as pessoas se mudarem, tanto para partes menos violentas da própria Rocinha quanto para outras favelas. A esteticist­a Ana é uma delas. Morava numa parte conhecida como rua Dois, onde têm acontecido muitos confrontos entre policiais e criminosos.

“A polícia estava lá todo dia. Um dia, cheguei em casa e vi que o muro da varanda estava todo esburacado de bala. Aí entendi que precisava sair de lá. Fui para o Valão [também na Rocinha], que também está tenso, mas menos. Continuo com medo, chega fim de semana e não saio mais para a praia, como fazia”, diz. DESTINOS Para quem sai da favela, um destino comum são as comunidade­s da zona oeste, como Rio das Pedras, a segunda maior da cidade depois da Rocinha e também cheia de imigrantes nordestino­s, como é o caso da Rocinha.

A “guerra” começou quando o traficante conhecido Rogério 157, que chefiava o tráfico na favela, trocou a facção ADA (Amigos dos Amigos) pelo Comando Vermelho e firmou seu poder na favela.

De dentro da cadeia, Antônio Bonfim Lopes, conhecido como Nem, chefe da ADA que foi preso em 2011, deu ordens a morte de Carlos Alexandre Pereira Maia, 37, assassinad­o no domingo (8), na Taquara, zona oeste da capital fluminense. A vítima colaborava para o vereador Marcello Siciliano (PHS), que depôs na última sexta (6) à investigaç­ão da morte de Marielle Franco e Anderson Gomes. Segundo o gabinete do vereador, Pereira era uma liderança comunitári­a da Taquara e sua função era repassar as demandas da população a Siciliano. Era um trabalho voluntário. mente, por exemplo, um traficante de uma comunidade da zona oeste. Ainda na última sexta (6), a PM prendeu na lagoa Rodrigo de Freitas, zona sul, um homem que seguia de táxi com um fuzil para a Rocinha. O resultado é que a favela está com mais traficante­s do que de costume. EFETIVO

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Leo Correa/Associated Press Acesso à favela da Rocinha, na zona sul do Rio, onde conflitos entre facções e com policiais elevam tensões e interrompe­m serviços básicos à população

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