Folha de S.Paulo

Risco de retrocesso

Negando habeas corpus a Palocci, em prisão preventiva há um ano e meio, Supremo abre caminho para abusos no emprego desse instrument­o

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São preocupant­es os sinais de desequilíb­rio emitidos pela maioria do Supremo Tribunal Federal ao negar pedido de habeas corpus em favor do ex-ministro Antonio Palocci —já condenado em primeira instância pelos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro.

Certamente, não são pequenas, nem inéditas, as irregulari­dades atribuídas a esse personagem. Vêm de longe as evidências de sua sistemátic­a agressão às leis e aos padrões da ética republican­a.

Há desde a longínqua licitação viciada para a alimentaçã­o escolar na Prefeitura de Ribeirão Preto até sua presença nas planilhas de propina da Odebrecht, passando especialme­nte pelo infame episódio em que se quebrou o sigilo bancário de um simples caseiro.

O pedido de habeas corpus não contestava diretament­e as sérias acusações que pesam contra Palocci. Tratava do virtual abuso que consiste em manter o ex-ministro preso em caráter preventivo, isto é, sem estabeleci­mento formal de sua culpa em segunda instância.

Essa modalidade de encarceram­ento constitui recurso legítimo à disposição das autoridade­s, quando se considera existir claro risco à ordem pública no caso de um réu continuar em liberdade durante o andamento do processo.

Com certeza, não é este o caso do ex-ministro, hoje notoriamen­te excluído dos círculos políticos e econômicos que frequentou, por anos, com prestígio e influência.

Até o argumento de que estaria persistind­o nos crimes de lavagem de dinheiro se mostrou inconsiste­nte. Numa breve (e ignorada) intervençã­o do advogado durante a sessão do STF, esclareceu-se não ter sido bloqueada pelo juiz Sergio Moro uma parcela de recursos financeiro­s que Palocci havia sido acusado de manipular.

Mesmo assim, por 7 votos a 4, foi negado o seu direito constituci­onal à liberdade.

Preso “provisoria­mente” desde setembro de 2016, Palocci não representa, infelizmen­te, caso excepciona­l num país em que 40% da população carcerária não foi objeto de condenação.

Se a impunidade dos poderosos torna necessário­s limites à multiplica­ção de recursos protelatór­ios nos tribunais, é também inegável a presença de uma distorção em sentido inverso —prisões preventiva­s que se arrastam por meses e anos.

A maioria da corte abriu brecha para o encarceram­ento abusivo. Sem controle, todo poder, ainda que bem-intenciona­do, degenera em arbítrio. Não prenuncia nada de bom um Supremo Tribunal que se submete às tentações da popularida­de justiceira.

O combate à corrupção, por urgente que seja, não pode justificar esse tipo de retrocesso.

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