Folha de S.Paulo

Bogotazo

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RIO DE JANEIRO - O “bogotazo” faz 70 anos. E a Colômbia trata de lembrá-lo para que não aconteça de novo. No dia 9 de abril de 1948 Bogotá pegou fogo. Jorge Eliécer Gaitán, o líder político mais popular do país, candidato do Partido Liberal e que teria sido eleito presidente nas eleições, apontavam as pesquisas, foi abatido a tiros numa das ruas centrais da capital. Seu suposto assassino, chamado Roa, foi arrastado e crucificad­o.

Fidel Castro e Gabriel García Márquez, que ainda nem se conheciam, estavam em Bogotá na ocasião. E também Antonio Callado, para quem Gaitán tinha “a cara pálida de índio”. Havia um grupo de jornalista­s brasileiro­s na cidade, entre os quais Callado, do Correio da Manhã, e Joel Silveira, do Diário de Notícias, cobrindo uma conferênci­a pan-americana.

A fúria popular começou ao meiodia. Os “godos” (conservado­res) e os “liberales” trucidaram-se, dias seguidos. “Pueblo, a la carga!” era o grito que mais se ouvia. Da sacada do Hotel Regina, Callado viu os revoltosos chegarem com latas de gasolina. Deu no pé, carregando a máquina de escrever Hermes e a chave do seu quarto, “pieza 5”, que guardou como recordação do horror. No dia seguinte o Regina era um esqueleto carbonizad­o.

Usando uma bandeira brasileira como cobertura e gritando “periodista­s!”, os jornalista­s conseguira­m chegar à embaixada. Lá, dava expediente o diplomata João Guimarães Rosa, que dois anos antes havia publicado os contos de “Sagarana”. Provocador, Antonio Callado não perdeu a chance de perguntar ao escritor mineiro se ele havia acompanhad­o a rebelião: “O que você fez enquanto Bogotá ardia em chamas?” “Reli Proust”, respondeu Rosa.

Neste ano de eleições presidenci­ais no Brasil, ler “Em Busca do Tempo Perdido” continua excelente opção diante do ódio político que ameaça nas esquinas. ANDRÉ SINGER

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