Folha de S.Paulo

PAI DA URNA

Gaúcho que há 22 anos criou aparelho usado na eleição se diz preocupado com o que vê como um retrocesso: a reintroduç­ão de cédulas de papel, determinad­a pela lei

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rado como se fazia antigament­e, com pilhas de papel em cima de mesas. E daí, para ser comparado com o extrato da urna eletrônica.

Por enquanto, a novidade será usada em 5% das urnas, ou cerca de 30 mil aparelhos, a um custo de R$ 57 milhões. A universali­zação acontecerá na eleição municipal de 2028, isso se a mudança não for derrubada na Justiça, coisa que o TSE está tentando.

“Há uma desconfian­ça generaliza­da com todas as instituiçõ­es, e a Justiça Eleitoral não é exceção. Fomos afetados pela propagação de notícias sensaciona­listas”, resigna-se.

Para Janino, a suposta boa intenção de garantir a confiabili­dade do voto é um desastre. “No momento em que você coloca a mão do homem na apuração, você traz de volta três problemas: lentidão, erro e fraude”. NINJAS Janino tinha 35 anos quando passou em primeiro lugar no primeiro concurso para analista de sistemas do TSE, em 1996.

Formado em matemática, sua principal experiênci­a profission­al até aquele mo- mento era como controlado­r de voo durante 11 anos na torre do aeroporto de Brasília, uma profissão que, acima de tudo, exige calma.

A tranquilid­ade ainda hoje evidente pesou na hora de selecioná-lo para um projeto que precisava ser tocado com rapidez, precisão e discrição, o da urna eletrônica. “O processo eleitoral no Brasil era algo totalmente desacredit­ado até então. A apuração levava dias. Foi preciso mitigar a intervençã­o do homem”.

Tornou-se o representa­nte do TSE numa comissão de cinco pessoas para conceber o projeto: além dele, havia três técnicos do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) e um do CTA (Centro Técnico da Aeronáutic­a).

Como na equipe três tinham ascendênci­a japonesa e todos se comportava­m de forma meio misteriosa, ganharam o apelido de “Grupo dos Ninjas”.

O primeiro nome do aparelho era “coletor eletrônico de voto”, uma pérola do antimarket­ing, depois mudado para o mais amigável “urna eletrônica”.

Após muita discussão, os “ninjas” chegaram a três di- retrizes: a engenhoca tinha de ser monobloco (tela, teclado e CPU numa única peça), para facilitar transporte e dificultar sumiço de peças; precisava ser “stand alone”, ou seja, capaz de funcionar autonomame­nte, sem fontes externas de energia; e tinha de ser fácil de usar.

“Poucas pessoas tinham familiarid­ade com computador em 1996. Quase ninguém tinha em casa. O teclado então seguiu o mesmo layout do telefone, com a mesma disposição de números”, lembra.

Numa decisão que se tornaria uma polêmica, os criadores da urna resolveram não incluir uma tecla “Anula”, apenas a opção “Branco” —para anular, como se sabe, digitase um número inexistent­e.

“Chegamos à conclusão de que não era necessário, a tecla ‘Branco’ teria o mesmo efeito. E poderia passar uma mensagem de estímulo ao não exercício do voto”.

Para puristas da democracia, no entanto, tolheu-se uma opção do eleitor, o de registrar seu protesto anulando o voto. HACKERS

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Pedro Ladeira/Folhapress O secretário de Tecnologia do TSE, Giuseppe Janino

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