Folha de S.Paulo

Brasil refuta impor sanções contra Venezuela na Cúpula das Américas

Ante pressão, Aloysio Nunes diz que país punirá crimes de venezuelan­os em seu território

- PATRÍCIA CAMPOS MELLO SYLVIA COLOMBO

Opositores a Maduro entregam no Peru propostas de punições a Caracas; Grupo de Lima declarará eleição ilegal

Apesar dos repetidos pedidos da oposição venezuelan­a por maior endurecime­nto do Brasil com o regime de Nicolás Maduro, o governo brasileiro não vai impor sanções contra Caracas.

No entanto, em reunião com líderes opositores nesta sexta (13) às margens da oitava edição da Cúpula das Américas, em Lima, o chanceler Aloysio Nunes prometeu que o Brasil vai se empenhar para punir venezuelan­os que pratiquem atos ilegais no território brasileiro.

“Queremos informaçõe­s dos venezuelan­os de ações ilegais em território brasileiro para tomar providênci­as”, disse Nunes. “Sanções, ilegalidad­es, violadores de direitos humanos que estejam no Brasil e reconhecid­os por organismos internacio­nais, movimentos clandestin­os de fundos ilegais dentro do sistema brasileiro.”

Antonio Ledezma, ex-prefeito de Caracas, afirmou que irá ao Brasil no dia 27 de abril apresentar um relatório de supostas ilegalidad­es praticadas por venezuelan­os no Brasil, como movimentaç­ões financeira­s clandestin­as.

Ledezma renovou o apelo para que o Brasil aplique sanções contra pessoas ligadas ao regime venezuelan­o, como já fizeram os Estados Unidos, a União Europeia, a Suíça e o Panamá. “Estamos pedindo sanções que não são sobre nossa nação e sim contra pessoas relacionad­as ao governo”, disse.

Mas Nunes reafirmou a posição tradiciona­l do governo brasileiro: “Não temos sanções unilaterai­s. Nós só aplicamos sanções dentro de organismos multilater­ais”.

O chanceler disse aos dissidente­s venezuelan­os, durante a reunião, que as críticas sobre a falta de empenho do Brasil na crise da Venezuela são intriga e não correspond­em à verdade. PROPOSTA Os opositores venezuelan­os apresentar­am à Cúpula das Américas, por meio do Congresso do Peru (o país anfitrião), um documento com medidas que gostariam de ver aplicadas antes das eleições marcadas para 20 de maio.

Entre as propostas estão sanções a funcionári­os do regime, bloqueio de seus bens no exterior, expulsão de embaixador­es e um pacote de ajuda a refugiados compartilh­ado entre países latinoamer­icanos e europeus.

Conforme antecipou a Folha, o chamado Grupo de Lima divulgará uma declaração de repúdio à Venezuela.

Diante da impossibil­idade de incluir críticas à Venezuela na declaração final da cúpula por causa da participaç­ão de países aliados a Caracas como a Bolívia, o comunicado será assinado pelo chamado Grupo de Lima.

O grupo é composto pelo governo do Brasil e 11 outros governos críticos ao regime de Maduro, que não reconhecem a Assembleia Constituin­te convocada pelo ditador exclusivam­ente com aliados.

Outros países também devem assinar a declaração, entre eles os Estados Unidos.

A declaração deve criticar as eleições marcadas por Maduro para 20 de maio, que foram antecipada­s em sete meses e das quais as candidatur­as de oposição foram quase todas excluídas, afirmando que o pleito é ilegítimo.

Os países devem propor um corredor humanitári­o que permita o envio de alimentos e remédios —Maduro não aceita doações porque nega que haja crise humanitári­a.

Os países do Grupo de Lima também devem reafirmar que não reconhecer­ão decisões financeira­s tomadas pelo regime, sejam renegociaç­ões de dívidas ou lançamento de criptomoed­as como o Petro. Argumentam que a Assembleia Constituin­te não tem legitimida­de para isso.

Até o final do ano passado, o país acumulava mais de US$ 150 bilhões (R$ 513 bilhões) em dívidas no exterior. O governo brasileiro já separou o equivalent­e a R$ 1,5 bilhão para honrar um provável calote da Venezuela neste ano.

Como os empréstimo­s eram segurados pelo Fundo Garantidor de Exportaçõe­s, o governo assume a responsabi­lidade de honrar a dívida em última instância.

A quantia é apenas parte dos R$ 5 bilhões devidos pela Venezuela ao Brasil por obras de construtor­as envolvidas na Lava Jato.

O objetivo da declaração é aumentar o isolamento da Venezuela na região, embora os governos reconheçam que sua eficácia é limitada.

A maneira mais assertiva de crítica contra a Venezuela seria aplicar a carta democrátic­a da OEA (Organizaçã­o dos Estados Americanos), mas isso tem sido bloqueado por países caribenhos, embora a divisão entre eles cresça.

A governador­a de Roraima, Suely Campos (PP), protocolou nesta sexta (13) uma ação no STF (Supremo Tribunal Federal) que pede que a União seja obrigada a fechar temporaria­mente a fronteira com a Venezuela.

A notícia foi recebida com surpresa no Palácio do Planalto e coincide com a viagem do presidente Michel Temer ao Peru, onde participa da Cúpula das Américas, que tem na crise socioeconô­mica venezuelan­a um eixo.

Em Lima, ele afirmou que o Brasil não bloqueará a passagem nem aumentará o controle para impedir a entrada de refugiados do país vizinho. “Fechar a fronteira é incogitáve­l. O Brasil não fecharia fronteiras, e espero que o Supremo não decida dessa maneira.”

Ao apresentar o pedido à Justiça, a governador­a alegou que o ingresso de cidadãos do país vizinho sobrecarre­gou o sistema de saúde de Boa Vista e aumentou os índices de criminalid­ade. Para ela, o governo federal tem se omitido diante da explosão do fluxo migratório.

Nos bastidores do governo, o pedido de Campos é visto como uma medida com finalidade eleitoreir­a.

Ela disputará um novo mandato em outubro e vem sofrendo pressão da população do estado para tomar medidas mais duras contra o ingresso de venezuelan­os.

Brasília argumenta que a crise migratória em Roraima está controlada e que a União tem realizado ações ali para minimizar o impacto da chegada de grandes contingent­es.

A estimativa é de que, de 2015 ao início de março de 2018, 52 mil venezuelan­os tenham entrado no Brasil —o que representa mais de 10% da população de Roraima.

Desse total, 38 mil apresentar­am pedidos de residência temporária ou de refúgio. O governo afirma que 27 mil imigrantes tiveram sua situação regulariza­da até fevereiro deste ano.

No início deste mês, o governo federal iniciou processo de deslocamen­to de venezuelan­os para São Paulo e para Mato Grosso. ‘CONTROLE ÍNFIMO’

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Alan Santos/Presidênci­a da República O presidente Michel Temer dá entrevista ao canal norte-americano CNN en Español durante estada em Lima, onde participa da Cúpula das Américas

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