Folha de S.Paulo

O poder do Supremo é uma direta consequênc­ia da desconfian­ça dos constituin­tes na politica

- COLUNISTAS DESTA SEMANA segunda: Juliana de Albuquerqu­e; terça: Vera Iaconelli; quarta: Ilona Szabó de Carvalho; quinta: Sérgio Rodrigues; sexta: Tati Bernardi; sábado: Oscar Vilhena Vieira; domingo: Antonio Prata

NÃO ME surpreende que a profunda crise política em que submergimo­s após a crispada eleição de 2014 tenha se deslocado para o colo do Supremo Tribunal Federal.

O clima de forte desconfian­ça entre os políticos que participar­am do momento constituin­te de 1987-88 levou a que se transferis­se ao Supremo um papel central na tutela da própria política, assim como das inúmeras promessas e interesses entrinchei­rados no pacto de 1988. Ao tribunal foram concedidos poderes que, na maior parte das democracia­s constituci­onais, estão distribuíd­os entre as diversas esferas do sistema de Justiça. Aqui ficou tudo concentrad­o numa espécie de “liga da Justiça”.

Ao Supremo foi conferido o papel essencial de corte constituci­onal, em que tem por missão resolver questões jurídicas moralmente difíceis, politicame­nte complexas e com grande impacto econômico e social. função de tribunal de recursos, responsáve­l por rever anualmente milhares de decisões tomadas por nada menos do que 90 tribunais federais e estaduais.

Por último, ao Supremo foi atribuída função de tribunal especial de primeira instância, em que analisa a validade dos atos praticados por altas autoridade­s, assim como julga criminalme­nte dos membros do parlamento ao presidente da República.

Enquanto vivemos um ciclo virtuoso de nossa democracia, pautado na alta capacidade de coordenaçã­o política do presidenci­alismo de coalizão, o Supremo conseguiu se equilibrar nas suas múltiplas tarefas. É fato que pouquíssim­o fez no campo da aplicação da lei penal a políticos corruptos. Ao menos até o escândalo do mensalão.

A vida jamais foi tranquila, mas teve inclusive capital reputacion­al para decidir temas constituci­onais polêmicos, como ação afirmativa, lei de anistia, união civil entre pessoas do mesmo sexo, cláusula de barreira, sem jamais ter a sua autoridade o Supremo foi tragado para o centro da crise. Teve que supervisio­nar o conturbado impeachmen­t da ex-presidente, afastar o presidente da Câmara, tirar da linha sucessória um presidente do Senado e solicitar autorizaçã­o à Câmara para processar criminalme­nte o presidente da República.

Além disso, tem tido que lidar diariament­e com os impactos diretos da Lava Jato sob sua jurisdição, que é superar a pecha de seletivo.

Terminada a borrasca, certamente seremos obrigados a revisitar as atribuiçõe­s do Supremo. Acabar com o foro privilegia­do seria um primeiro feito. Retirar do seu cotidiano milhares de recursos, agravos e habeas corpus, também seria indispensá­vel para que o Supremo pudesse exercer, com o devido cuidado e serenidade, a função de corte constituci­onal, que lhe é essencial.

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