Folha de S.Paulo

Separar polícias em SP é retrocesso, dizem especialis­tas

- ANGELA PINHO

Governo Márcio França (PSB) estuda tirar Polícia Civil da Secretaria da Segurança; delegados apoiam medida

Em estudo pelo governador de São Paulo, Márcio França (PSB), a separação das polícias Civil e Militar em duas secretaria­s estaduais diferentes é defendida por delegados, mas vista como retrógrada e ineficaz por especialis­tas ouvidos pela Folha.

A medida em análise pelo Palácio dos Bandeirant­es consiste em tirar a Polícia Civil da Secretaria da Segurança Pública e transferi-la para a pasta da Justiça.

Pelo desenho, a Segurança Pública passaria a ser comandada por um alto oficial da PM. O atual secretário é Mágino Alves Barbosa Filho, procurador de Justiça nomeado para o cargo por Geraldo Alckmin (PSDB), que se licenciou do cargo para concorrer às eleições presidenci­ais.

Ex-vice do tucano, Márcio França assumiu o cargo na semana passada e vai disputar a eleição de outubro para permanecer no posto.

Como informou a Folha nesta sexta, os policiais responderi­am diretament­e a alguém da própria corporação, o que, na visão dos defensores, seria uma forma de fortalecer a PM e valorizar a autoestima dos integrante­s.

A expectativ­a nos bastidores do governo é também que, indo para a Justiça, a Civil ganharia reforço no caráter de polícia judiciária e se criaria um ambiente mais ágil para a conclusão de inquéritos.

O Palácio dos Bandeirant­es diz que a medida foi uma sugestão apresentad­a ao governador que está sob estudo.

Pesquisado­res da área avaliam que a medida trará mais ineficácia e retrocesso às políticas de segurança.

Pesquisado­r do Núcleo de Estudos de Violência (NEV) da USP, André Zanetic diz que a medida vai no sentido contrário da necessidad­e atual, que é de integrar mais as polícias para garantir um trabalho conjunto entre a investigaç­ão (a cargo da Civil) e o policiamen­to preventivo e ostensivo (feito pela PM).

De acordo com ele, a separação em duas secretaria­s nunca foi adotada por nenhum estado brasileiro.

Sociólogo e ex-secretário de Segurança de Minas (20032007), Luis Flávio Sapori diz que a medida seria “o maior retrocesso em segurança pública em mais de 20 anos”.

“Se estar na mesma secretaria hoje já não garante integração, oficializa­r a separação vai ser pior ainda. Hoje, estar numa mesma pasta garante pelo menos a possibilid­ade de uma autoridade única estabelece­r mecanismos de colaboraçã­o”, diz.

Presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Renato Sérgio de Lima também diz que a separação em duas pastas vai na contramão da necessidad­e de unificação.

Ele cita a investigaç­ão da morte da vereadora Marielle Franco (PSOL-RJ) para exemplific­ar as possíveis consequênc­ias negativas.

Reportagem do jornal “O Globo” mostrou que testemunha­s foram dispensada­s da cena do crime por PMs no local. “Essa foi uma falha clara de integração. Se a medida for tomada, casos como esse vão se multiplica­r.”

Diretor-executivo do Instituto Sou da Paz, Ivan Marques diz ver interesse corporativ­o. “Há pressão de corporaçõe­s policiais, mas não consigo entender por que uma mudança estrutural tão drástica em um estado que vem diminuindo seus indicadore­s criminais, num governo que tem oito meses para terminar e com uma eleição no meio disso.”

O presidente da Associação dos Delegados de Polícia de São Paulo, Gustavo Mesquita Galvão Bueno, diz que levar a Polícia Civil para a Secretaria da Justiça pode dar mais autonomia ao órgão e aproximálo das instituiçõ­es judiciária­s.

“A Polícia Civil está diretament­e ligada ao sistema de justiça criminal, mas só indiretame­nte à segurança pública.” Segundo ele, a mudança pode ser benéfica ainda ao aproximar a instituiçã­o de órgãos da pasta da Justiça ligados à defesa dos direitos humanos e de minorias.

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