Para a China liderar o comércio
VOLTO AO tema da guerra comercial iniciada por Donald Trump, hoje focando as opções da China.
O pano de fundo é a evolução da balança comercial dos dois países. A China acumula um superávit de US$ 500 bilhões ao ano com o mundo, resultante do crescimento vertiginoso de 16% anuais das exportações.
Já os EUA detêm déficit comercial da ordem de US$ 800 bilhões/ano há mais de uma década, sem grandes alterações. O problema é que a China já representa quase metade desse déficit (US$ 375 bilhões). Por isso, virou o principal alvo da guerra mercantilista iniciada por Trump.
Mas não há dúvida de que essa disputa vai muito além do comércio, envolvendo aquisições de empresas, corrida tecnológica e armamentista, geopolítica e liderança global.
Após a ameaça americana, a reação da China foi soltar listas de retaliações com valores semelhantes aos que os EUA apresentaram. Em resposta à sobretaxa do aço e do alumínio, a primeira lista chinesa contém contém soja, automóveis e aviões, soma US$ 50 bilhões, valor próximo dos US$ 60 bilhões que os EUA querem impor sobre a exportação chinesa de produtos de alta tecnologia.
A China não quer retaliação, mas negociação nos mesmos termos e impacto. Acredita-se que os dois players vão acabar fechando um grande acordo, que se dará ao arrepio das normas da OMC e com fortes impactos sobre o resto do mundo. Esta é a cabeça de Trump: pressionar cada país que mantém superávit com os EUA para uma negociação bilateral de jogo de soma zero, em que exportar é bom e importar é ruim.
Mas a perspectiva chinesa pode ser outra. Com Trump assumindo publicamente que os EUA perderam competitividade em diversas indústrias e por isso defendem o seu protecionismo rude e unilateral, abrese o espaço para o surgimento de um novo líder, generoso e conciliador.
Não será surpresa se em cinco a dez anos a China passar de uma situação de grande superávit comercial para um déficit expressivo, com uma nova estratégia de longo prazo pró-importações, que levará o país a uma inserção internacional mais equilibrada. Um déficit comercial ampliaria a produtividade doméstica chinesa e ainda alavancaria o poder da China sobre os mercados e a formação dos preços de vários produtos, como grande importadora.
Analistas chineses afirmam que o mundo vive um momento da transição de um sistema de comércio dominado por multinacionais e cadeias de suprimento bem distribuídas para um novo modelo dominado por fluxos de conhecimento, bens e serviços que ignoram as fronteiras nacionais. Tecnologia digital, big data, blockchains, comércio eletrônico e novas formas de mobilidade fazem parte desse novo universo. velho sistema global de comércio, Pequim quer liderar um novo sistema dentro de uma nova ordem global influenciada pelos seus estrategistas.
A China tem duas opções: entrar no velho jogo que Trump deseja resgatar ou propor seu próprio jogo, que já vinha sendo gestado. Me parece que os fatos vão antecipar a decisão. MARCOS SAWAYA JANK marcos@jank.com.br