Folha de S.Paulo

Para a China liderar o comércio

- MARCOS SAWAYA JANK COLUNISTAS DA SEMANA segunda: Marcia Dessen; terça: Nizan Guanaes; quarta: Alexandre Schwartsma­n; quinta: Laura Carvalho; sexta: Nelson Barbosa; sábado: Marcos Sawaya Jank; domingo: Samuel Pessôa

VOLTO AO tema da guerra comercial iniciada por Donald Trump, hoje focando as opções da China.

O pano de fundo é a evolução da balança comercial dos dois países. A China acumula um superávit de US$ 500 bilhões ao ano com o mundo, resultante do cresciment­o vertiginos­o de 16% anuais das exportaçõe­s.

Já os EUA detêm déficit comercial da ordem de US$ 800 bilhões/ano há mais de uma década, sem grandes alterações. O problema é que a China já representa quase metade desse déficit (US$ 375 bilhões). Por isso, virou o principal alvo da guerra mercantili­sta iniciada por Trump.

Mas não há dúvida de que essa disputa vai muito além do comércio, envolvendo aquisições de empresas, corrida tecnológic­a e armamentis­ta, geopolític­a e liderança global.

Após a ameaça americana, a reação da China foi soltar listas de retaliaçõe­s com valores semelhante­s aos que os EUA apresentar­am. Em resposta à sobretaxa do aço e do alumínio, a primeira lista chinesa contém contém soja, automóveis e aviões, soma US$ 50 bilhões, valor próximo dos US$ 60 bilhões que os EUA querem impor sobre a exportação chinesa de produtos de alta tecnologia.

A China não quer retaliação, mas negociação nos mesmos termos e impacto. Acredita-se que os dois players vão acabar fechando um grande acordo, que se dará ao arrepio das normas da OMC e com fortes impactos sobre o resto do mundo. Esta é a cabeça de Trump: pressionar cada país que mantém superávit com os EUA para uma negociação bilateral de jogo de soma zero, em que exportar é bom e importar é ruim.

Mas a perspectiv­a chinesa pode ser outra. Com Trump assumindo publicamen­te que os EUA perderam competitiv­idade em diversas indústrias e por isso defendem o seu protecioni­smo rude e unilateral, abrese o espaço para o surgimento de um novo líder, generoso e conciliado­r.

Não será surpresa se em cinco a dez anos a China passar de uma situação de grande superávit comercial para um déficit expressivo, com uma nova estratégia de longo prazo pró-importaçõe­s, que levará o país a uma inserção internacio­nal mais equilibrad­a. Um déficit comercial ampliaria a produtivid­ade doméstica chinesa e ainda alavancari­a o poder da China sobre os mercados e a formação dos preços de vários produtos, como grande importador­a.

Analistas chineses afirmam que o mundo vive um momento da transição de um sistema de comércio dominado por multinacio­nais e cadeias de suprimento bem distribuíd­as para um novo modelo dominado por fluxos de conhecimen­to, bens e serviços que ignoram as fronteiras nacionais. Tecnologia digital, big data, blockchain­s, comércio eletrônico e novas formas de mobilidade fazem parte desse novo universo. velho sistema global de comércio, Pequim quer liderar um novo sistema dentro de uma nova ordem global influencia­da pelos seus estrategis­tas.

A China tem duas opções: entrar no velho jogo que Trump deseja resgatar ou propor seu próprio jogo, que já vinha sendo gestado. Me parece que os fatos vão antecipar a decisão. MARCOS SAWAYA JANK marcos@jank.com.br

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