Folha de S.Paulo

Juízas acusam associação de machismo

Magistrada­s deixam entidade nacional argumentan­do que encontro não convidou palestrant­es mulheres

- FREDERICO VASCONCELO­S

Instituiçã­o diz não ter preconceit­o e afirma que congresso a ser realizado em maio terá número recorde de mulheres

Um grupo de juízas obrigou a AMB (Associação dos Magistrado­s Brasileiro­s), maior entidade de classe da magistratu­ra, a tratar publicamen­te do machismo no Judiciário, tema que os tribunais evitam discutir.

As juízas Geilza Diniz, Rejane Jungbluth Suxberg e Carla Patrícia Lopes, do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Território­s (TJDFT), pediram desfiliaçã­o da AMB no último dia 3. Elas se dizem inconforma­das com a ausência de magistrada­s entre os conferenci­stas do 23º Congresso Brasileiro de Magistrado­s, que acontece em maio.

Até sexta-feira mais 30 juízas, de vários estados, haviam acompanhad­o as colegas e deixado a instituiçã­o.

Dos 28 palestrant­es citados na programaçã­o do evento, há apenas duas mulheres, e elas não são magistrada­s: a procurador­a-geral da República, Raquel Dodge, e a senadora Ana Amélia (PP-RS).

A AMB alegou inicialmen­te precipitaç­ão das juízas. O presidente da entidade, juiz Jayme de Oliveira Neto, não comentou o episódio.

Com 13.900 associados, dos quais 4.500 são mulheres, a associação afirma que é uma entidade plural e repudia preconceit­os. A diretoria atual tem 63 magistrada­s entre os seus membros.

“A desfiliaçã­o foi uma decisão individual e muito pensada, sem precipitaç­ão”, diz Geilza Diniz. Filiada havia quase 15 anos, ela diz “não ter sido movida por fatores políticos”. “Venho aguentando firme as críticas dos pares, em prol de uma sociedade justa, solidária”, diz.

Em 2017, em debate na TV Senado, ao comentar a nomeação de Raquel Dodge, a juíza disse que o acesso das mulheres ao topo da carreira é mais difícil.

A juíza aposentada Carla Patrícia atribui sua desfiliaçã­o a “uma reflexão serena, ao longo de pesquisas sobre o princípio da igualdade”.

A juíza e escritora Andréa Pachá, do TJ do Rio de Janeiro, também pediu para deixar a entidade. Ela foi vicepresid­ente da AMB e já assumiu interiname­nte a presidênci­a da associação

“Vejo com profunda tristeza a falta de sensibilid­ade para a importânci­a da pauta da igualdade”, diz a juíza.

Em 2015, Pachá escreveu artigo intitulado “O Judiciário é machista”. “Uma juíza firme e exigente ser adjetivada como mal-amada não é vista como vítima de machismo”, escreveu.

“Conheço muitas juízas que se indignaram e se desfiliara­m, assim como conheço outras juízas que se indignaram, mas optaram por não se desfiliar” diz o juiz Bruno André Silva Ribeiro, do TJDFT.

“Devemos agradecer às corajosas juízas. Com a sua atitude, nos fizeram refletir sobre o problema. E só por isso já fizeram tudo valer a pena”.

Para a juíza Laura Benda, presidente da Associação Juízes para a Democracia, as questões de gênero “ainda são vistas como menores”.

“Esse seminário demonstra que o espaço público é dos homens, enquanto a nós é destinado o espaço privado e, de preferênci­a, o silêncio”.

A AJD tem aproximada­mente 500 associados, 200 dos quais são mulheres.

A AMB colocou nota oficial em seu site, dez dias depois que as primeiras desfiliaçõ­es vieram a público. Informa que, “após o fechamento, em fevereiro, do primeiro material de divulgação, outros nomes foram confirmado­s”.

Cita, entre eles, os da ministra Cármen Lúcia, presidente do Supremo Tribunal Federal, e da desembarga­dora Maria Berenice Dias, aposentada do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul.

“Comungo desse movimento das mulheres juízas, porque, de fato, o congresso não está espelhando a realidade do Poder Judiciário”, Dias afirmou à Folha.

Ela confirmou que falará no evento. Disse que foi convidada em outubro, mas que seu nome não constava do folder distribuíd­o.

Primeira desembarga­dora gaúcha, ela ingressou no Judiciário em 1973 e aposentous­e em 2008. Dirige um escritório de advocacia especializ­ado em direito homoafetiv­o. É fundadora do Instituto Brasileiro de Direito de Família.

“Pela primeira vez magistrada­s tomam uma atitude em busca de maior visibilida­de, pois o congresso deu preferênci­a a políticos”, diz. OUTRO LADO

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Pedro Ladeira/Folhapress As juízas Geilza Diniz e Ana Cláudia Barreto, de Brasília, que se desfiliara­m da AMB

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