ANÁLISE Há razões para desconfiar da benevolência de Trump
FOLHA
Acompanhamos, na sexta-feira (13), o ataque dos Estados Unidos, Reino Unido e França na Síria, justificado por Donald Trump como forma de fazer frente aos excessos do governo sírio e de seus aliados, particularmente após denúncia sobre o uso de armas químicas em Duma. Trump disse, em pronunciamento, que as ações de Bashar al-Assad são “crimes de um monstro”.
De fato, o uso de armas químicas é considerado ilegal e imoral no jogo da política entre os Estados. Representa ataque à dignidade humana, envolve múltiplos riscos sistêmicos e contraria convenção pactuada por quase todos os países.
Apesar disso, há razões suficientes para desconfiar das intenções benevolentes de Trump, como no passado também havia razões para desconfiar das intenções de George W. Bush no Iraque.
Na maior parte do tempo, prevalecem, sobre narrativas travestidas de generosidade, as estratégias egoístas. Para os Estados, trata-se de oportunidade de afirmação de poder e, para líderes, é questão de sobrevivência política.
O discurso mercurial de Trump não é fortuito. Representa uma oportunidade de reforçar a ideia central de sua agenda (“faça a América grandiosa novamente”) ao mesmo tempo em que permite desviar a atenção da opinião pública norte-americana de questões domésticas, que polarizam o país, para assuntos externos com grande capacidade de conciliação de interesses.
Os EUA construíram sua identidade e reforçam suas posições de forma relacional e sempre em contraposição a um inimigo externo. Num momento em que não há clareza sobre os polos de poder que podem desestabilizar o “hegemon”, Trump busca endurecer o discurso diante de quaisquer arranjos que apequenem seu país.
Por isso, não aceita ceder às pressões multilaterais de nenhum tipo, critica os que “tiram vantagens dos EUA” e reage de forma agressiva ao que lê como provocação.
Não é desprezível também o “timing”. Além de ser ano eleitoral nos EUA, quando boa parte do Congresso será renovada e Trump estará sujeito a um referendo indireto sobre sua gestão, a investigação sobre o envolvimento russo na eleição de 2016, conduzida pelo procurador especial Robert Mueller, avança a passos largos. A sensação é de que o deteriorar da relação com a Rússia acompanha o ritmo da investigação contra Trump.
Finalmente, o endurecimento do discurso em relação a Assad coincide com mudanças na administração republicana, particularmente com a chegada de John Bolton como assessor de segurança nacional. Trump disse repetidas vezes que preferia que “outros cuidassem da Síria” e, há poucos dias, falou em retirar seus soldados de lá. Hoje, afirma que age em nome do bem-estar do povo sírio. Diz que “estamos falando de humanidade”. Está difícil acreditar. FERNANDA MAGNOTTA