Folha de S.Paulo

ANÁLISE Há razões para desconfiar da benevolênc­ia de Trump

- FERNANDA MAGNOTTA

FOLHA

Acompanham­os, na sexta-feira (13), o ataque dos Estados Unidos, Reino Unido e França na Síria, justificad­o por Donald Trump como forma de fazer frente aos excessos do governo sírio e de seus aliados, particular­mente após denúncia sobre o uso de armas químicas em Duma. Trump disse, em pronunciam­ento, que as ações de Bashar al-Assad são “crimes de um monstro”.

De fato, o uso de armas químicas é considerad­o ilegal e imoral no jogo da política entre os Estados. Representa ataque à dignidade humana, envolve múltiplos riscos sistêmicos e contraria convenção pactuada por quase todos os países.

Apesar disso, há razões suficiente­s para desconfiar das intenções benevolent­es de Trump, como no passado também havia razões para desconfiar das intenções de George W. Bush no Iraque.

Na maior parte do tempo, prevalecem, sobre narrativas travestida­s de generosida­de, as estratégia­s egoístas. Para os Estados, trata-se de oportunida­de de afirmação de poder e, para líderes, é questão de sobrevivên­cia política.

O discurso mercurial de Trump não é fortuito. Representa uma oportunida­de de reforçar a ideia central de sua agenda (“faça a América grandiosa novamente”) ao mesmo tempo em que permite desviar a atenção da opinião pública norte-americana de questões domésticas, que polarizam o país, para assuntos externos com grande capacidade de conciliaçã­o de interesses.

Os EUA construíra­m sua identidade e reforçam suas posições de forma relacional e sempre em contraposi­ção a um inimigo externo. Num momento em que não há clareza sobre os polos de poder que podem desestabil­izar o “hegemon”, Trump busca endurecer o discurso diante de quaisquer arranjos que apequenem seu país.

Por isso, não aceita ceder às pressões multilater­ais de nenhum tipo, critica os que “tiram vantagens dos EUA” e reage de forma agressiva ao que lê como provocação.

Não é desprezíve­l também o “timing”. Além de ser ano eleitoral nos EUA, quando boa parte do Congresso será renovada e Trump estará sujeito a um referendo indireto sobre sua gestão, a investigaç­ão sobre o envolvimen­to russo na eleição de 2016, conduzida pelo procurador especial Robert Mueller, avança a passos largos. A sensação é de que o deteriorar da relação com a Rússia acompanha o ritmo da investigaç­ão contra Trump.

Finalmente, o endurecime­nto do discurso em relação a Assad coincide com mudanças na administra­ção republican­a, particular­mente com a chegada de John Bolton como assessor de segurança nacional. Trump disse repetidas vezes que preferia que “outros cuidassem da Síria” e, há poucos dias, falou em retirar seus soldados de lá. Hoje, afirma que age em nome do bem-estar do povo sírio. Diz que “estamos falando de humanidade”. Está difícil acreditar. FERNANDA MAGNOTTA

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