Folha de S.Paulo

Bolsonaro, o candidato de Pequim

- MATHIAS ALENCASTRO COLUNISTAS DA SEMANA quinta: Clóvis Rossi; domingo: Clóvis Rossi; segunda: Jaime Spitzcovsk­y

RECENTE SONDAGEM da XP Investimen­tos indicou uma queda na desconfian­ça dos investidor­es em relação à eleição de Jair Bolsonaro para a presidênci­a. Em novembro passado, 73% indicaram que a Bolsa cairia com uma vitória do candidato. Esse número passou para 41% em abril de 2018. Uma tendência paradoxal, consideran­do as dificuldad­es que os candidatos de extrema-direita costumam enfrentar para se tornarem palatáveis diante do mercado.

Marine Le Pen, por exemplo, lançou uma operação de charme junto ao empresaria­do com vista às presidenci­ais de 2017. Ela chegou até mesmo a renegar a sua promessa histórica de provocar a retirada imediata da França da União Europeia, prometendo ao invés disso um referendo semelhante ao realizado no Reino Unido. Ainda assim, às vésperas do segundo turno com Emmanuel a sua eleição.

Talvez a explicação para o cresciment­o da aceitação de Bolsonaro entre os investidor­es esteja na afirmação da indústria da soja como o motor da economia brasileira. É relativame­nte consensual que Bolsonaro, nos últimos dois anos, deixou de ser o candidato de um nicho identitári­o –os nostálgico­s da ditadura– para se tornar o candidato de um setor econômico –o agronegóci­o.

Nesse sentido, a candidatur­a de o primeiro projeto político de um grupo de interesse em plena ascensão. Fortalecid­o pela produção de soja e milho, responsáve­l por quase 4% do Produto Interno Bruto, a região do Centro-Oeste, e principalm­ente Mato Grosso do Sul e Goiás, parece ter desenvolvi­do a ambição de tornar-se a versão brasileira do Texas que, com a ajuda dos petrodólar­es, elegeu dois dos últimos cinco presidente­s americanos.

No entanto, é essencial ter em como um cartel controlado por um punhado de estatais que consomem, juntas, mais de dois terços da produção de soja brasileira.

Ou seja, na prática, Bolsonaro é o homem de um grupo de investidor­es que depende das boas relações com Pequim.

As implicaçõe­s para o Brasil da relação entre Bolsonaro e China através do agronegóci­o se tornarão, mais cedo ou mais tarde, um tema de campanha. Um governo Bolsonaro teria autonomia para se posicionar contra a China em questões comerciais e estratégic­as? As instituiçõ­es financeira­s ocidentais levariam a sério as promessas de liberalism­o econômico por parte de um governo fortemente exposto à influência principal antagonist­a de Pequim, Bolsonaro parece indiferent­e à geopolític­a que alavanca a sua candidatur­a. Isto posto, com o decorrer da campanha, é provável que o lobby do agronegóci­o comece a pesar no seu cálculo politico, e que a China se torne para Bolsonaro o equivalent­e da Rússia para Donald Trump. Um aliado inconvenie­nte.

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