Lula terá importância na eleição presidencial. Ele é mais forte preso do que solto.
Folha - Como o sr. se envolveu com o leilão de Belo Monte?
Antonio Delfim Netto -No início da disputa, só havia um grupo disposto a concorrer, e o cartel das grandes empreiteiras se uniu em torno dele. Se não surgisse outro competidor, esse consórcio venceria o leilão, pelo preço máximo.
O senador Delcídio do Amaral [PT-MS], que era líder do governo no Congresso, me estimulou a montar um segundo grupo para o leilão. Fizemos isso rapidamente, com pequenas empreiteiras e também uma grande construtora, a Mendes Júnior, que coordenara a obra de Itaipu. Por que o governo petista escolheu o sr. para essa tarefa?
Eu tinha décadas de experiência. E tinha credibilidade. Acompanho os esforços para construir Belo Monte desde 1982, quando estava no governo militar. Sempre achei que era um projeto maravilhoso. Houve algum favorecimento?
De acordo com as regras estabelecidas para o leilão, a Eletrobras seria sócia do empreendimento, com metade do capital, em qualquer circunstância. Os dois grupos foram tratados igualmente.
Houve disputa no leilão, que foi feito na Bolsa de Valores. Nosso grupo ofereceu o melhor preço, e no fim o outro consórcio desistiu. O processo foi limpo, e tornou Belo Monte mais barata do que se não tivesse existido competição. Quanto o sr. recebeu pela assessoria ao grupo vencedor?
Não foram R$ 15 milhões como [os delatores] estão dizendo. Recebi uns 20% disso. Como honorários. Em várias parcelas, e de várias fontes. Investigadores da Lava Jato classificam como propina os pagamentos que o sr. recebeu.
Recebi honorários por serviços prestados. O resultado do leilão é prova material dos meus serviços. Tenho convicção de que a Justiça reconhecerá isso no fim do processo. O sr. participou das negociações com as empreiteiras contratadas para executar a obra?
Terminado o leilão, nunca mais pus a mão em nada. Não tem email meu, não tem telefonema meu para ninguém. Não tem coisa nenhuma.
O cartel, que tinha muita força, inventou essas teorias de que o consórcio vencedor não tinha condições de realizar a obra e pressionou o governo. Aí juntaram tudo, mas não tive nada a ver com isso. Segundo os delatores da Andrade Gutierrez e da Odebrecht, o governo pediu que as empresas fizessem pagamentos ao PT, ao PMDB e ao sr.
É tudo conversa. Pagaram um pedacinho, que estamos discutindo [na Justiça]. E declararam coisas que não pagaram. A coisa foi feita lá em cima, na Eletrobras. Eu não participei. Misturaram o meu negócio com o dos partidos. O sr. cultiva relações com essas empreiteiras desde o regime militar. Não tiveram mesmo contato após o leilão?
Não. Estava competindo com elas. Mas essas empresas são parte importante da economia. Se você achar que se comportam sempre de forma corrupta, não constrói nada.
RAIO-X Formação
Economia
Trajetória
> Ministro da Fazenda (1967-1974), da Agricultura (1979) e do Planejamento (1979-1985) > Professor da FEA-USP > Deputado federal por cinco mandatos consecutivos (1987-2007) > Embaixador do Brasil em Paris (1975-1978)
O cartel, na verdade, sempre esmagou as empreiteiras menores. As pequenas tinham competência para fazer a obra, mas não tinham como competir. Belo Monte criou uma oportunidade para que surgissem novas empresas. Em seu depoimento à PF no ano passado, o sr. disse que sempre deu consultoria às grandes empreiteiras. Qual a natureza dos seus serviços?
Sou consultor. Não preciso de prova material, ainda que eu tenha. É o telefone. Acontece uma coisa qualquer na economia, no mundo, as pessoas me consultam: “O que você acha que vai acontecer? Como nós devemos reagir?” Aí eu dou a minha opinião. Como o sr. avalia o impacto da Lava Jato, quatro anos depois do início das investigações?
O país nunca mais será igual. A Lava Jato desmontou o incesto que havia entre um governo que aparelhou tudo e o setor privado. Levaram isso tão longe que tinham controle não só do governo, mas do Legislativo. Nunca se pôs tão em risco a democracia. Nunca existiu nada. Senão, como é que o [presidente João] Figueiredo ia me convidar [para o ministério] depois? E ele tinha sido chefe do SNI. O sr. acha que a maneira como grandes empresas se relacionam com o governo vai mudar, ou tudo voltará a ser como antes quando a poeira baixar?
Nunca mais você conseguirá montar algo assim. Nunca mais você vai aparelhar o governo como no passado. Nunca mais você vai constituir um Congresso sob controle das empreiteiras e dos bancos.
O veto da legislação eleitoral a doações do setor privado tornou isso impossível. Eles vão poder defender seus interesses? Legitimamente, disputando no Congresso, tentando convencer os deputados. É absolutamente legítimo. É assim no mundo inteiro. O que não é legítimo é comprar. Apesar do rigor das punições aplicadas pela Lava Jato, empresários e políticos foram flagrados praticando crimes após o início da investigação. Câmara]. Eles estão controlando. Mas 60% vão entrar sabendo que não tiveram financiamento nenhum do setor privado e não têm nenhuma obrigação com ele. Eles serão muito mais independentes. Os empreiteiros que se tornaram delatores e colaboram com a Lava Jato são confiáveis?
O delator coloca em primeiro lugar o seu interesse. A qualidade da delação depende do prêmio que se oferece a ele. As empreiteiras dizem que farão tudo diferente daqui para frente. Dá para acreditar?
Tanto quanto dava para confiar quando você se confessava com o padre e mentia para ele. Isso é uma confissão religiosa, de boas intenções. A prova, só o tempo vai dar. Como viu a prisão de Lula?
Com naturalidade. Só tem um caminho para o Brasil. Obedecer a lei. Não adianta querer discutir se é justo, ou injusto. Foi seguido o cami- nho legal, com suas consequências. Isso mostra que, a despeito de toda essa confusão, existe um núcleo institucional que está funcionando. Acha que a condenação de Lula no caso do tríplex foi justa?
Desculpe, a pergunta é absurda. Tem que perguntar para o juiz. Dou a minha preferência: não gostaria de vê-lo preso. Mas acabou. Só quem viu os autos e é juiz pode dizer.
Houve uma sucessão de condenações, e não há como dizer que foram puramente políticas. O respeito à Justiça é a única salvação da sociedade civilizada. E ele está apelando, dentro do seu direito. Qual será o impacto político? Acha que as pessoas vão reagir à prisão, buscar outros nomes, ou ficar indiferentes?
O grupo que hoje apoia Lula, aqueles cujo estômago está sentindo saudade do seu governo, vai votar induzido por ele. Não sei quem ele vai apoiar, mas é uma ilusão imaginar que Lula desapareceu. Qual será o efeito da recuperação da economia, que parece mais lenta do que se previa?
Será muito difícil fazer alguma coisa até o fim deste governo. A eleição já chegou. Está tudo condicionado a quem será o próximo presidente. Será uma eleição em que um sujeito com 16% vai para o segundo turno. Depois, seja lá o que Deus quiser.