Folha de S.Paulo

Privacidad­e vale também para governo

- RONALDO LEMOS

MESMO COM os casos de vazamentos e abusos de dados, o Brasil continua a não ter uma lei de proteção à privacidad­e. Todos os países do Mercosul têm leis de proteção de dados pessoais. O Brasil é a exceção.

Esse cenário começa a mudar. Há uma movimentaç­ão no Congresso e no Executivo para fazer avançar uma lei de dados. Uma das razões para isso é o desejo do país de ingressar na OCDE. Ter uma lei desse tipo aumentaria as chances de sermos aceitos nesse seleto grupo.

A má notícia é que o país teve anos para debater o tema da proteção de dados com os diversos setores da sociedade. Agora passa a impressão de estar fazendo tudo às pressas. Um dos riscos de tratar uma lei dessa complexida­de com um processo atabalhoad­o é a possibilid­ade de cometer erros. Há ao menos um em curso.

Em reportagen­s que circularam na semana passada, consta que o texto da lei brasileira vai criar um regime distinto de proteção para dados a um grande número de regras, o poder público terá praticamen­te carta branca para coletar, tratar e cruzar dados pessoais como quiser.

Essa isenção é equivocada. Um dos principais desafios para a implementa­ção da tecnologia nos serviços públicos (o que inclui as diversas ferramenta­s de governo eletrônico) é assegurar a confiança no uso deles.

Nova York é um bom exemplo. Ao implementa­r seu sistema de acesso público à internet por wi-fi, começou O temor era que o sistema monitorass­es os cidadãos, usando os dados contra seus interesses. Em face disso, a cidade criou uma robusta política de privacidad­e, limitando a coleta dos dados e deixando claro sua finalidade de uso. A partir daí o serviço LinkNYC pode se expandir.

Permitir que o poder público colete dados sem nenhuma regra beira a inconsequê­ncia. No Brasil, o estudo que embasou o plano nacional de internet das coisas, comissiona­do pelo Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicaçõ­es e pelo BNDES, traz uma longa e aprofundad­a discussão sobre dados no âmbito mencionar que fui um dos participan­tes na sua elaboração).

O estudo diz claramente que “a privacidad­e de dados no setor público é o pilar estruturan­te da construção de aplicações em cidades inteligent­es” e que “a proteção à privacidad­e no setor público é a base para o desenvolvi­mento seguro, transparen­te, equilibrad­o e sustentáve­l” do uso da tecnologia no setor público.

Dessa forma, governo eletrônico e privacidad­e são dois lados da mesma moeda. É claro que o poder público precisa ter a prerrogati­va de processar e analisar dados para ganhar eficiência. A questão é que dá para fazer isso garantindo a privacidad­e. Sem criar uma distinção artificial (e, a meu ver, inconstitu­cional) no regime de proteção de dados. RONALDO LEMOS

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