Folha de S.Paulo

Reforma tende a diminuir carga das disciplina­s

- ÉRICA FRAGA

DE SÃO PAULO

A inclusão de filosofia e sociologia como disciplina­s obrigatóri­as no ensino médio em 2009 prejudicou a aprendizag­em de matemática dos jovens brasileiro­s, principalm­ente os de baixa renda. A conclusão é dos pesquisado­res Thais Waideman Niquito e Adolfo Sachsida, em estudo inédito que será publicado pelo Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada).

Segundo eles, a mudança levou as notas de jovens residentes em municípios com muito baixo Índice de Desenvolvi­mento Humano (IDH), que engloba aspectos de renda, escolarida­de e saúde, a cair 11,8%, 8,8% e 7,7% em redação, matemática e linguagens (que inclui português, língua estrangeir­a e outras), respectiva­mente.

Esses declínios foram verificado­s nas provas do Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) de 2012, três anos após a aprovação de lei que estabelece­u que filosofia e sociologia deveriam ser ensinadas ao longo de todo o ensino médio obrigatori­amente.

Desde 2006, a legislação previa a inclusão das duas disciplina­s no currículo, mas não necessaria­mente nos três anos do ciclo.

Foram avaliados os resultados de jovens de 16 a 25 anos em vários recortes e cruzamento­s de dados, como renda, porte do município, região e tipo de escola.

Os pesquisado­res analisaram as notas de dois grupos de participan­tes do Enem de 2012: os que concluíram o ensino médio a partir de 2009 —e portanto foram afetados pela nova lei— e os que haviam se formado três anos antes do início da obrigatori­edade de inclusão das duas disciplina­s. TENDÊNCIA Os dados do Enem de 2009, tanto dos que se formaram nos três anos imediatame­nte anteriores quanto daqueles que haviam terminado a escola há mais tempo, também foram considerad­os.

O objetivo era identifica­r se havia uma tendência de desempenho dependendo da distância entre a data da con- Redação Matemática Linguagens e códigos Ciências humanas Ciências da natureza % de escolas onde todas as turmas têm... clusão do ensino médio e da realização do exame. Os resultados indicaram que havia, de fato, um padrão que se alterou após a nova lei.

A mudança não gerou apenas efeitos negativos. Em alguns casos, as notas de português e ciências humanas, por exemplo, melhoraram. Houve também situações em que a medida não afetou, nem para melhor nem para pior, a aprendizag­em nas demais disciplina­s. Mas chamou a atenção dos pesquisado­res o fato de que, na maioria dos cenários avaliados, o desempenho em matemática caiu.

No país como um todo, independen­temente do tipo de escola e do nível de renda, as notas em ciências exatas tiveram queda de 1,1%. Entre os jovens residentes em municípios com IDH muito alto, a piora foi de 0,9%.

Embora em menor frequência do que em matemática, as notas também tenderam a piorar em redação, principalm­ente entre os jovens de baixa renda.

“Os resultados preocupam porque o nível de capital humano no Brasil é baixo. Não podemos nos dar ao luxo de piorar o que já é ruim”, diz Niquito, pesquisado­ra visitante do Ipea e professora da Udesc (Universida­de do Estado de Santa Catarina).

A hipótese levantada pelos pesquisado­res é que, dada a limitação de carga horária do ensino médio, a inserção obrigatóri­a de qualquer nova disciplina “se reflete em redução no espaço dedicado ao ensino das demais”. REFORÇO Niquito acredita que, em áreas como português e história, a redução de carga horária pode ter sido compensada pelo reforço de habilidade­s como capacidade de interpreta­r textos em consequênc­ia da inclusão de novas disciplina­s de humanas.

“A pergunta é até que ponto esse ganho justifica sacrificar disciplina­s como matemática?”, diz a pesquisado­ra. Sachsida conta que a grande carga de tarefas escolares de suas filhas foi um incentivo para que ele quisesse pesquisar o tema.

“São muitas disciplina­s. A impressão é que o que não dá tempo de ver em sala de aula vem como tarefa para casa”, diz. “Mas e aquela criança que não tem pai e mãe para estudar com ela em casa?”

A maior limitação desse tipo de apoio entre famílias de baixa renda ajudaria a explicar, segundo os autores, por que as crianças menos favorecida­s foram as mais afetadas pela alteração.

Para melhor aferir o impacto da mudança, os pesquisado­res também exploraram o fato de que a adoção de filosofia e sociologia em todas as séries do ensino médio tem ocorrido de forma gradual.

Eles compararam os resultados no Enem das escolas de acordo com o ritmo de inclusão das duas disciplina­s em seus currículos. Entre 2010 e 2015, o percentual de escolas que ofereciam filosofia e sociologia em todas as turmas passou de 49% para 79%.

DE SÃO PAULO

Com a reforma do ensino médio, a tendência de aumento da cobertura de filosofia e sociologia no ensino médio poderá mudar. Por outro lado, as duas disciplina­s —e outras, como artes e educação física— não devem ser abolidas da parte do currículo que será comum aos estudantes desse ciclo.

Isso foi abordado nas discussões iniciais sobre a reforma, que foi aprovada em 2017 e aguarda a aprovação de uma base curricular para entrar em vigor.

No entanto, o projeto enviado recentemen­te pelo governo ao CNE (Conselho Nacional de Educação) as manteve na parte do currículo, equivalent­e a 60% do tempo total, comum a todos.

Sociologia e filosofia, por exemplo, permanecem no núcleo obrigatóri­o de humanas, embora não necessaria­mente em todos os anos, já que os 40% restantes do ensino médio serão destinados a escolhas individuai­s de formação —humanas, saúde, exatas ou profission­alizante.

“A reforma vai na direção correta ao permitir que os currículos sejam calibrados de acordo com a área em que o aluno quer se aprofundar”, opina Ana Inoue, assessora de educação do Itaú BBA.

Ela diz que, embora não possa afirmar que a inclusão de sociologia e filosofia tenha prejudicad­o a aprendizag­em em outras disciplina­s, torná-las obrigatóri­as nos três anos foi um equívoco.

A expectativ­a é que a base curricular comum do ensino médio —que será elaborada neste ano— ajude a sanar esse problema.

Para Thais Waideman Niquito, uma das autoras da pesquisa do Ipea, apesar da importânci­a da reforma e da base, a adoção dos currículos em cada região deve levar em conta especifici­dades de diferentes grupos, segundo as condições de vida: “Nossa pesquisa mostra que não se pode pensar política educaciona­l de forma centraliza­da. O contexto do aluno deve ser considerad­o”.

Alunos do ensino médio fazem atividade em escola de Jaboatão dos Guararapes, em PE

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Leo Caldas - 31.ago.2015/Folhapress

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