Folha de S.Paulo

Quem tem medo dos feminismos?

- ANTONIA PELLEGRINO E MANOELA MIKLOS COLUNISTAS DESTA SEMANA segunda: A. Pellegrino e M. Miklos; terça: Vera Iaconelli; quarta: Jairo Marques; quinta: Sérgio Rodrigues; sexta: Tati Bernardi; sábado: Luís Francisco Carvalho Filho; domingo: Antonio Prata

EM NOVEMBRO de 2017, o jornal norte-americano The New York Times publicou a notícia de que havia criado uma editoria de gênero, sob o comando da experiente jornalista Jessica Bennett. Aparenteme­nte, eles não temem esse debate.

No Brasil, boa parte da grande imprensa ainda trata gênero como comportame­nto, em cadernos voltados para moças, que falam sobre temas palpitante­s como cabelos e bolsas e anunciam em letras garrafais a emergência dessa novidade que é uma mulher com opinião. Uma reportagem publicada no exterior sob manchete “tsunami feminista”, aqui chega como “tsunami feminino”. Lutas são noticiadas como ajuda, rebaixando nossas conquistas à categoria terapêutic­a, chá com biscoito.

Manter os termos feminismo e gênero como tabu, na imprensa, é corroborar com as cruzadas antigênero que disseminam fake news para afirmar que “pregamos” a tal “ideologia de gênero”. Apertando a tecla “sap” do repertório mal intenciona­do: ideologia de gênero é atacar a família tradiciona­l estimuland­o pessoas a serem gays, trans, lésbicas etc. e a trocar o sexo das crianças na escola.

Segundo a professora da London School of Economics, Sonia Correia: “As campanhas antigênero, ao contrário do que proclamam seus arautos, não se gestaram nas bases das sociedades, e sim nas altas esferas da política internacio­nal e de elaboração teológica”. A ideia de que há um forte potencial desestabil­izador da dita ordem natural dos sexos no Boa parte dos homens não conseguiri­a ser mulher e viver sob o machismo nem por 15 minutos, daí seu pavor que falam os feminismos fez com que, em 2015, os legislativ­os de oito estados brasileiro­s votassem pela eliminação do termo gênero dos planos estaduais de educação —decisões semelhante­s foram aprovadas em vários municípios.

Em seguida, a bancada dogmática da Câmara Federal também excluiu o termo do decreto administra­tivo presidenci­al que restringia o status da Secretaria de Políticas para Mulheres. A disputa determina que: leu gênero, troque por sexo. A toque de caixa, na canetada do poder, pululam projetos picantes sobre sexo alimentíci­o.

Acreditamo­s que boa parte dos homens não conseguiri­a ser mulher e viver sob o machismo nem por 15 minutos. Daí seu pavor dos feminismos. Melhor nem nomeá-los. Por isso saudamos o fato de a Folha publicar a primeira coluna feminista, pós-Primavera das Mulheres, em um jornal impresso brasileiro de grande circulação —embora este mesmo jornal publique apenas 27 mulheres entre seus 125 colunistas.

Como chegamos aqui? Somos editoras do blog #AgoraÉQueS­ãoElas, desta mesma Folha. O #AEQSE é um coletivo que emerge da fricção entre as ruas e as redes, em 2015, a partir da percepção de que, nos meios de comunicaçã­o, a narrativa permanecia um privilégio dos mesmos. Era preciso disputar espaços de fala e ocupá-los com nossas vozes. Durante a semana #AgoraÉQueS­ãoElas, milhares de colunas e blogs de homens foram assinados por mulheres. Chegamos a ter 65 milhões de menções no Twitter e ocupamos a bancada do Jornal Nacional com duas mulheres. Tomamos a palavra.

O fruto maduro do motim foi a criação do blog, um espaço curatorial capaz de dialogar do pop aos movimentos sociais, da academia às artes. A partir de hoje, passamos a assinar em dupla esta coluna quinzenal, escrita com a pena dos afetos alegres, capazes de iluminar as sombras dos medos e preconceit­os.

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