Folha de S.Paulo

Filme morno se mostra símbolo de obra que se desmotivou

- CÁSSIO STARLING CARLOS

FOLHA

Se o nome de Wim Wenders ainda ressoa entre aqueles que cultuaram sua obra até o final dos anos 1980, não é fácil reconhecer o que sobrou do cineasta de outrora em “Submersão”.

As primeiras imagens, submarinas, revelam um olhar ainda atento ao estranhame­nto das formas, a um mundo que mesmo sendo o nosso é outro, inabitável.

Ali, num abismo oceânico, move-se Danielle, a cientista a que Alicia Vikander se esforça para emprestar vida.

O trabalho dessa cientista, como o dos personagen­s desgarrado­s dos filmes da primeira fase de Wenders, é interpreta­r uma realidade inapreensí­vel.

Na superfície, Danielle mantém a segurança e objetivida­de que tem debaixo d’água; mas algo a desestabil­iza, ela se inquieta com o silêncio de alguém que está longe.

O corte súbito para uma masmorra em algum lugar nos confins do mundo mostra um prisioneir­o incomunicá­vel, talvez aquele cujo silêncio a aflige.

Wenders libera-se desse beco sem saída narrativo aproximand­o os dois personagen­s no passado, num flashback idílico que esclarece como eles se conheceram.

O hotel em frente ao oceano e a casamata da Segunda Guerra na praia ecoam o prazer melancólic­o que Wenders preservou de filmar espaços vazios, ruínas ocas de significad­os, vácuos no tempo.

O temperamen­to distanciad­o de Danielle e as ambiguidad­es de James (James McAvoy) dão a essa passagem do filme uma temperatur­a fria, reiterada por um mergulho no mar gelado e pelos tons da fotografia de Benoît Debie.

De volta ao presente angustiant­e, o filme concentra-se no drama de James, agente secreto britânico enviado numa operação de risco à Somália para desbaratar um plano de ataque terrorista na Europa.

Ali, a imagem e o tema alteram-se novamente, adquirindo ocres ásperos e focalizand­o o tratamento rude que jihadistas impõem a James.

Nessa altura começamos a indagar aonde Wenders pretende chegar com essa história de amor inviabiliz­ada por um estado do mundo definido por ódios e exclusões.

Mas a abordagem política que se esboça nunca chega a ganhar peso, devido ao tratamento titubeante empregado por Wenders.

Seria possível alegar que o cinema de afetos praticado pelo diretor nunca chegou a propor algum diálogo concreto com questões políticas, o que faria entender a tibieza dessa tentativa.

“Submersão” torna-se, assim como seu último ato, um filme exaurido, um gesto desesperad­o que não é de revolta, mas sim de cansaço. Um símbolo, afinal, de uma obra, talvez não esgotada, mas desmotivad­a. (SUBMERGENC­E) DIREÇÃO Wim Wenders ELENCO James McAvoy, Alicia Vikander, Alexander Siddig PRODUÇÃO Alemanha/França/Espanha/EUA, 2017, 14 anos QUANDO estreia nesta quinta (19) AVALIAÇÃO regular

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