Folha de S.Paulo

Mia Couto conclui trilogia histórica sobre seu país

Autor moçambican­o lança ‘O Bebedor de Horizontes’ nesta segunda em SP

- MAURÍCIO MEIRELES

No teatro Porto Seguro, evento com o escritor na cidade terá leitura, bate-papo e show da cantora Lenna Bahule FOLHA

O escritor moçambican­o Mia Couto chega, agora, ao fim de “As Areias do Imperador”, trilogia histórica sobre seu país, com o volume “O Bebedor de Horizontes”.

Ele lança o livro nesta segunda (16) em um evento que mistura leituras, conversa e um show da cantora Lenna Bahule, sua conterrâne­a.

A trinca de romances conta a história de Ngungunyan­e, o último imperador de Gaza, reino que ocupava um pedaço de Moçambique no fim do século 19. Ele resistia à invasão portuguesa na região.

Neste terceiro volume, portanto, vemos Ngungunyan­e, aprisionad­o com sete de suas mulheres, ser levado de um cais por oficiais lusitanos a caminho do exílio. A protagonis­ta do livro é Imani Nsambe, jovem que serve de intérprete entre os dois grupos.

Não é gratuito Mia Couto ter escolhido uma tradutora como personagem —com ela, ele trata de um dos temas caros à sua literatura, que é o papel da língua como instrument­o de poder. Imani está grávida de um sargento português. O livro se alterna entre a narração dela e as cartas que recebe dele.

“Precisava de um tradutor não só de línguas, mas de culturas. Ela tem um pé na cultura africana, mas pertence a uma etnia subjugada por esse imperador”, diz.

Mia vem de um país em que, desde a guerra que terminou com sua independên­cia, em 1975, tem intercalad­o conflitos. Talvez por isso, as razões da guerra sejam um dos temas que investiga.

“A maior parte da minha vida foi passada em guerras. A mim, me interessa como a construção da guerra é feita dentro das pessoas, essa questão de desumaniza­r o outro”, diz ele.

É natural, para um autor que reflete sobre um país com várias culturas tentando se manter coeso, que a identidade seja alvo de reflexão.

“Em Moçambique, identidade nacional é uma questão muito recente. O país nasceu com várias nações, com diferentes línguas e culturas. É preciso esquecer algumas diferenças.”

Identidade nacional foi um tema que ocupou a mente das letras no Brasil por muito tempo. A literatura deve ter um papel nessa construção?

“Sem dúvida a literatura tem um papel, mas sem assumir isso como uma missão.”

Mas é possível fazer isso na língua do colonizado­r? “Tínhamos outra língua que não tinha a ver com a portuguesa. Hoje, estamos tentando construir uma história comum.”

“Acho que a literatura tem um papel mais claro. Ela tem que sugerir um veículo de unidade nacional, mas também a possibilid­ade de viver coisas íntimas numa língua que aparenteme­nte é do outro. Essa língua tem que ser de intimidade, uma língua da alma.”

Identidade e linguagem são dois temas que fervilham na atualidade. Com a eclosão de militância­s ligadas à primeira —de raça, gênero ou orientação sexual—, é comum a crença de que é possível mudar a sociedade a partir de uma mudança de vocabulári­o.

Daí a existência de palavras que passam a ser banidas. Como um escritor tão ligado aos dois assuntos vê a questão? Mia é cético quanto à forma que a política identitári­a é realizada hoje.

“As forças autoritári­as estão crescendo e não estão distraídas. Mas quem quer um mundo mais justo está distraído com lutas que agora precisam ser repensadas em função de uma larga frente.”

“Vejo brigas em relação à palavra mulato. Mas não me parece que a obra de Jorge Amado tenha que ser questionad­a politicame­nte por isso. No caso de África, ele teve uma importânci­a fundamenta­l para redescobri­rmos a nós próprios. Fica estranho agora a questão da palavra guiar o olhar sobre uma obra.” AUTOR Mia Couto EDITORA Companhia das Letras QUANTO R$ 49,90 (328 págs.) QUANDO Segunda (16), às 19h QUANTO R$ 30 (frisa e balcão) e R$ 60 (plateia), ingressos à venda em teatroport­oseguro.com.br ONDE Teatro Porto Seguro, al. Barão de Piracicaba, 740, tel. (11) 3226-7300

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Divulgação O escritor moçambican­o Mia Couto, que lança novo livro

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