Folha de S.Paulo

Malala transforma violência em delicadeza no seu primeiro livro infantil

- BRUNO MOLINERO

Nove de outubro de 2012. Um ônibus que levava estudantes em Swat, no Paquistão, é parado por homens do Taleban. Um deles entra armado no veículo cheio de crianças e adolescent­es e pergunta por seu alvo, Malala Yousafzai —uma garota de 15 anos que desafiava o conservado­rismo da organizaçã­o e lutava pelo direito de meninas frequentar­em a escola. Ela leva um tiro na cabeça.

A jovem não só sobrevive ao atentado como é retirada do país e tem sua voz amplificad­a a ponto de receber o prêmio Nobel da Paz em 2014.

É essa história que ganha contornos infantis no livro “Malala e Seu Lápis Mágico”, narrativa autobiográ­fica escrita pela ativista e sua obra de estreia para esse público.

Como uma escritora experiente, Malala supera de maneira inteligent­e e elegante outro imenso desafio no livro —menos árduo, é claro, do que a luta pela sobrevivên­cia, mas muito trabalhoso do ponto de vista literário.

Ela escreve sua história sem um ar excessivam­ente moralista, sem errar no tom de superação, sem transforma­r a mensagem de empode- ramento em caricatura nem chocar o leitor ainda em formação. Ao contrário: das linhas escorre, sobretudo, respeito, tanto à formação quanto à inteligênc­ia da criança ou do jovem que está lendo.

O ponto de partida é a figura do lápis mágico do título. Malala narra como sonhou, quando criança, em ter essa ferramenta fantástica, com a qual poderia acabar com a guerra, criar uma bola de futebol, fazer prédios e vestidos lindos. Em suma, desenhar um mundo melhor.

A primeira quebra de estrutura e de expectativ­a é que esse lápis nunca aparece, e ela descobre que precisará mudar a realidade sozinha.

Malala passa, então, a se dedicar ainda mais à escola e percebe que meninas estavam sendo forçadas a abandonar as salas de aula porque homens poderosos decidiram que elas não podiam frequentar o colégio —o que a fez denunciar para o mundo todo o que ocorria naquela região do Paquistão.

“Minha voz se tornou tão potente que aqueles homens perigosos tentaram me silenciar. Mas eles não conseguira­m”, escreve. Adultos logo entenderão a violência a que se refere. Já as crianças terão contato com os acontecime­ntos de maneira sutil, cabendo aos pais e mediadores munir os mais curiosos com informaçõe­s factuais.

O tom da narrativa é acompanhad­o pelas ilustraçõe­s. Na cena em que Malala fala sobre os que tentaram silenciála, por exemplo, ela aparece num quarto escuro, de costas, vestindo um avental de hospital. Feitos por Kerascoët, pseudônimo da dupla francesa Sébastien Cosset e Marie Pommepuy, os desenhos ajudam a deixar soltas pontas que, se puxadas, levam ao interior de uma história contada de forma delicada, mas cheia de verdades duras.

E que continua sendo escrita. No último mês, a jovem, que tem agora 20 anos e estuda em Oxford, no Reino Unido, retornou ao Paquistão e à sua cidade natal pela primeira vez desde o atentado. “Meu sonho se tornou realidade”, disse. Sem qualquer lápis mágico. AUTORA Malala Yousafzai EDITORA Companhia das Letrinhas QUANTO R$ 34,90 (48 págs.) AVALIAÇÃO muito bom

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