Folha de S.Paulo

Fôssemos brasiliano­s ou brasileses, talvez restassem mais Amazônia e, quem sabe, respeito às urnas

- COLUNISTAS DA SEMANA: terça: José Simão, quarta: Reinaldo Figueiredo, quinta: José Simão, sexta: Renato Terra, sábado: José Simão, domingo:

PEÇO LICENÇA para um pouco de sociolingu­ística de botequim. Não que antes eu fizesse, por aqui, sociolingu­ística séria. Mas fazia outras coisas de botequim: poesia de botequim, política de botequim, economia de botequim. A crônica, afinal, não passa da botequiniz­ação dos assuntos.

Não sei se algum acadêmico sério já se debruçou sobre esse fenômeno. Quem primeiro me fez ver foi o palhaço Marcio Libar que, como todo palhaço, é um clarividen­te de botequim.

“Nacionalid­ade, no português”, dissertou o palhaço, “é -ano (italiano, americano, mexicano) ou -ês, (inglês, francês, polonês). Mais raramente, termina em -ino (argentino, marroquino) ou -ense (costarriqu­ense, israelense).” Sim, Palhaço Pasquale, mas onde o senhor quer chegar com essa gramática de botequim? “Não tem nenhum outro povo que termine em -eiro que não o brasileiro. Pode procurar.”

Procurei. Não achei. “Quem termina em -eiro é banqueiro, pedreiro, marceneiro, bicheiro. Brasileiro não é nacionalid­ade, é profissão.”

Maldito palhaço. Nunca mais me esqueci disso. Toda vez que vejo algum brasileiro ferrando o Brasil lembro que brasileiro é atividade, não é identidade. E não qualquer atividade: brasileiro é quem vive da extração e da venda, pro exterior, do pau-brasil.

Ou seja: brasileiro, etimologic­amente, é quem vive de vender o Brasil. Quando terminam as riquezas, o brasileiro se aposenta e volta pra “civilizaçã­o”, como gosta de chamar os lugares que mais se beneficiar­am do nosso subdesenvo­lvimento.

Por isso também tantos de nós se definem como brasileiro­s, mas — apressam-seemacresc­entar—descendent­es de italianos, portuguese­s ou alemães. Estamos brasileiro­s, mas, no fundo, o que somos de verdade é outra coisa. O brasileiro tá de passagem.

Fôssemos brasiliano­s, talvez restasse mais Amazônia. Fôssemos brasileses, quem sabe respeitáss­emos as urnas. Fôssemos brasilinos, talvez não tivéssemos exterminad­o, e continuáss­emos exterminan­do, tantas nações indígenas.

Taí uma ideia: homenagear um povo original. Nisso podíamos imitar os “civilizado­s”. Afinal, franceses vêm dos francos, ingleses vêm dos anglos, e por essa lógica seríamos tupinambás, tamoios ou tabajaras. Imagina que bonito um estádio inteiro cantando junto: “Eu sou tabajara/ Com muito orgulho/Com muito amor”.

Curiosamen­te, tabajara virou sinônimo de reles, vagabundo. Vai entender.

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Catarina Bessell

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