Com leveza, site revela nosso machismo de cada dia inclusive na fina bossa nova
Uma sociedade não é machista só na hora em que agride fisicamente suas mulheres. Para chegar a esse ponto, é preciso um arcabouço de costumes e produtos culturais que passem a mensagem de que as mulheres são inferiores aos homens e podem ser tratadas de maneira cruel.
O Brasil é tão violento com suas cidadãs que por aqui se não só se usa um neologismo para nomear o assassinato de mulheres (feminicídio) como também há uma legislação específica para a violência de gênero (a Lei Maria da Penha).
Também somos um país que se gaba de ter uma das músicas populares mais ricas e belas do planeta. Mas o machismo está de tal forma entranhado que se manifesta até na sofisticada bossa nova.
É o que demonstra o site Música Machista Popular Brasileira, no ar desde 3/4. Criado pelas publicitárias Lilian Oliveira, Rossiane Antunez, Nathalia Ehl e Carolina Tod, o MMPB tem recebido mais de 65 mil visitantes por dia.
Na página inicial, o internauta pode apertar o botão “shuffle” e ser levado a uma canção, onde aparecem um vídeo e a letra dessa música.
Os suspeitos de sempre estão lá: de “pérolas” do funk mais chulo a hinos brega que, sob a desculpa do romantismo, pregam que a mulher seja submissa ao homem.
Também há algumas surpresas, como “Se Você Quer ser Minha Namorada”, de Carlos Lyra e Vinícius de Moraes. Ou bobagens a quem nunca ninguém deu muita bola, mas que escancaram suas más intenções logo no título —é o caso de “Se Te Pego com Outro Te Mato”, hit de Sidney Magal.
Ao contrário do que chegou a ser noticiado, “Mulheres de Atenas”, de Chico Buarque e Augusto Boal, não está no MMPB. As autoras tiveram a sabedoria de não se ater a uma leitura rasa da letra cheia de amarga ironia.
Mas Chico se faz presente com “Tua Cantiga”, de seu último álbum, “Caravanas” (2017). A canção vem na voz de um homem que diz que largaria mulher e filhos pela nova amada, algo que hoje em dia não faz mais a cabeça da mulherada.
Em breve, o botão “shuffle” será trocado por outra funcionalidade, que permitirá consulta mais rápida e uma visão mais geral do site.
Escrito de maneira leve, com bons “insights”, o MMPB é divertido, mas também cumpre seu objetivo principal: fazer pensar. Não propõe banir nenhuma das canções, só um ouvido mais atento.
As autoras do MMPB levantam o fato de que o “não” deve ser respeitado e também não deve ser julgado.
‘Ciúmes dela’