Folha de S.Paulo

Aécio e a rainha vermelha

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SÃO PAULO - Não seria a Primeira Turma do STF, apelidada de câmara de gás, que iria aliviar para Aécio Neves. De todo modo, diante das provas contra o senador, os ministros não tinham alternativ­a que não a de torná-lo réu. O argumento é um pouco cínico, mas nem por isso menos verdadeiro: é o processo que dará a Aécio a oportunida­de de provar sua inocência, se ela for real.

Um ponto central deste caso, como de tantos outros da Lava Jato, é determinar se há necessidad­e do ato de ofício para caracteriz­ar o crime de corrupção. A jurisprudê­ncia está em evolução. Ao menos desde o mensalão, o STF vem dispensand­o a descrição da ação específica da autoridade que beneficia o corruptor ativo.

Creio que o Supremo tem razão. Podemos pensar a lei como algo fixo, ditado por Deus do alto do monte Sinai, ou como parte de um processo dinâmico, no qual atos do legislador engendram mudanças na conduta dos criminosos, que exigem respostas de juízes –uma verdadei- ra corrida armamentis­ta.

Se não aceitarmos essa visão mais complexa, o delinquent­e, ou quem quer que dê a última resposta, sempre venceria. No caso de corruptos, bastaria um acerto genérico do tipo “você me trata bem que eu o trato bem”, no qual é difícil ligar diretament­e um ato de ofício ao pagamento de uma propina, para deixálos livres das garras da lei. O político poderia até exibir o dinheiro recebido sem medo de ser enquadrado.

Estamos aqui diante de um fenômeno bem conhecido dos biólogos, que leva o nome de efeito da rainha vermelha, pelo qual os participan­tes de uma coevolução antagoníst­ica precisam estar constantem­ente se adaptando apenas para manter o equilíbrio entre eles. A referência à rainha vermelha é uma homenagem a Lewis Carroll, cuja personagem a uma dada altura de “Alice através do Espelho” diz: “É preciso correr o máximo possível, para permanecer­mos no mesmo lugar”.

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