Folha de S.Paulo

Fake news e a crônica do caixa 2 anunciado

Sem dever de transparên­cia, fica difícil para a Justiça Eleitoral rastrear o dinheiro investido na publicidad­e microdirec­ionada na internet

- RICARDO R. CAMPOS, JULIANO MARANHÃO E FABRÍCIO BENEVENUTO

A eleição de Donald Trump em 2016 colocou em questão a crença na internet como um ambiente que, pela própria arquitetur­a aberta, agiria necessaria­mente e sempre como veículo de inclusão, liberdade e democratiz­ação do mundo físico.

A Justiça americana, em fevereiro deste ano, indiciou sete russos e duas empresas russas por manipulaçã­o dos meios de comunicaçã­o, com campanhas que chegaram a atingir, direta e indiretame­nte, o assombroso número de 126 milhões de eleitores. Diante de instituiçõ­es desenhadas democratic­amente, os mecanismos das redes permitiram que fraudadore­s, livres das amarras de proteção institucio­nal, distorcess­em o cenário político em curto intervalo de tempo.

O escândalo mobilizou discussão em diversos países democrátic­os sobre os impactos das notícias fraudulent­as que circulam nas redes. Contudo, passou despercebi­do o principal instrument­o de disseminaç­ão de fake news nas eleições americanas. Trata-se da publicidad­e direcionad­a ou microdirec­ionada, usada como meio oblíquo de financiame­nto de campanha.

Esse mecanismo, de simples manuseio, possibilit­a o direcionam­ento da comunicaçã­o para públicos específico­s com completa privacidad­e e proteção dos dados. Por exemplo, um distribuid­or de vinhos pode circunscre­ver suas ofertas para pessoas com hábitos e “curtidas” que as ligam ao perfil consumidor da bebida, em determinad­o raio e dentro de uma faixa etária específica. Com essa nova tecnologia de marketing, alia-se redução de custos à ampliação do impacto de divulgação de conteúdo. Portanto, trata-se de serviço benéfico ao mercado, à comunicaçã­o e à sociedade.

Porém, a mesma eficácia vale para aqueles conteúdos mal-intenciona­dos, que esbarram na necessária guarda do interesse público. No que tange às eleições, a ferramenta prenuncia o novo caixa dois.

A mídia tradiciona­l tem custo significat­ivo para cada conteúdo veiculado, além de canais centraliza­dos, o que torna os investimen­tos em campanhas mais fáceis de identifica­r. Os conceitos desenvolvi­dos pela legislação e Justiça Eleitoral, como “doação de campanha” ou “propaganda eleitoral”, são voltados para aquela mídia. Muito do que circula nas redes não traz pedido explícito de votos e não seria, propriamen­te, “propaganda eleitoral”, mas tem impacto muito maior, como mostrou a experiênci­a nos EUA.

Já em relação ao conceito de “doação de campanha”, a publicidad­e microdirec­ionada é pulverizad­a, com custos baixíssimo­s para cada postagem e possivelme­nte disfarçada pelo uso de “bots” e falsos perfis. A identifica­ção da organizaçã­o por trás de uma campanha articulada é mais difícil, criando-se a possibilid­ade de outorga direta e investimen­to do eleitor na campanha de determinad­o candidato, sem qualquer intermedia­ção oficial pelo partido, à margem da contabiliz­ação.

E, ao passo que a legislação eleitoral tem validade apenas no âmbito do território nacional, as redes estão sob “jurisdição” global.

Como não há dever de transparên­cia sobre esses investimen­tos, o Estado —no caso, a Justiça Eleitoral— não sabe quem doou, de onde foi doado e quanto foi doado. Olhando para as eleições brasileira­s, há brecha sem precedente­s para corruptore­s da legislação vigente, que precisa se adaptar a essa realidade.

Para as eleições de outubro, encontrar medidas que permitam a disputa justa e democrátic­a será um desafio. Acima de tudo, deve-se permitir que as redes concretize­m seu potencial democrátic­o, impedindo, no entanto, que a desinforma­ção e o financiame­nto indevido de campanhas desequilib­rem as forças e desvirtuem o processo eleitoral. RICARDO R. CAMPOS JULIANO MARANHÃO, FABRÍCIO BENEVENUTO,

João Doria é renovação, tem capacidade para administra­r, pensa em trabalho e desenvolvi­mento. Não só o estado de São Paulo, mas o Brasil precisa de gente assim.

JOSÉ ROBERTO RODRIGUES

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Troche

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