Folha de S.Paulo

Israel, 70, prevalece contra probabilid­ades e conflitos

Fundação do país em 1948 é comemorada no anoitecer desta quarta pelo calendário judaico

- DIOGO BERCITO

Judeus e palestinos relembram conquistas e perdas pelo caminho; projeto de paz, porém, ainda está distante

Se alguém dissesse a Shlomo Hillel no início do século 20 que os judeus um dia teriam o seu Estado, pareceria ser mais um delírio.

Nascido em 1923 em Bagdá, no Iraque, ele havia fugido em 1934 e se refugiado na Palestina, então um território britânico, de onde ouvia notícias do genocídio dos judeus pela Alemanha.

“Precisaria ser muito otimista para crer, então, que teríamos um país”, afirma à Folha. “Eu era um dos que não acreditava­m naquilo.” Hillel se enganou. Após uma guerra com os palestinos que viviam também naquele território e com os vizinhos árabes, o Estado de Israel foi criado em 14 de maio de 1948. A data é celebrada oficialmen­te na noite desta quarta-feira (18), segundo o calendário judaico.

São 70 anos de um país que já foi uma impossibil­idade. Hillel teve papel crucial nessa história: aos 24 anos, foi um dos responsáve­is pelas operações secretas que trouxeram 125 mil judeus iraquianos ao novo país. “Foi o maior milagre da história”, diz ele sobre a criação da nação.

O permanente estado de guerra e as reivindica­ções dos palestinos —muitas vezes acompanhad­as de ataques, de atentados e de outras ações terrorista­s ao longo das décadas— imprimiram a Israel a constante percepção de catástrofe.

Nas primeiras décadas, vivia-se ali com a impressão de que o projeto não duraria.

“As pessoas pensavam que esse não fosse ser um arranjo permanente”, diz Benny Morris, um dos principais historiado­res israelense­s.

“Ainda acredito nisso. Ao contrário da maior parte do mundo, vivemos sob uma ameaça existencia­l, no meio de vizinhos que querem nos destruir”, afirma. Apenas o Egito e a Jordânia, na região, mantêm relação com o país.

Essa ameaça não impediu, contudo, que Israel se consolidas­se como a democracia mais estável e a economia mais desenvolvi­da da região. Puxado por setores de serviços e de tecnologia pujantes, o Produto Interno Bruno, de US$ 318 bilhões, é pouco menos de 20% do brasileiro com uma população que perfaz 4% da brasileira. RETORNO Judeus começaram a migrar em massa ao que é hoje Israel no final do século 19, inspirados pela ideia de que precisavam retornar à terra de que tinham sido expulsos séculos antes, no movimento chamado de sionismo.

Com o Holocausto, em que foram assassinad­os sistematic­amente 6 milhões de judeus pelo regime nazista da Alemanha, as Nações Unidas propuseram em 1947 que a Palestina britânica fosse dividida em dois Estados, um para os judeus e o outro para os palestinos que viviam ali.

Os judeus aceitaram a ideia. Os palestinos, não.

Após uma guerra, os judeus estabelece­ram, em 1948, o Estado de Israel.

No processo, centenas de vilarejos árabes foram destruídos, e mais de 700 mil palestinos fugiram ou foram expulsos. O episódio é chamado em árabe de “Nakba”, catástrofe.

“Nós víamos o império britânico se esfaceland­o e pensávamos que finalmente teríamos o nosso próprio país”, diz o ex-chanceler palestino Nabil Shaath, 80. “A vitória deles foi nosso horror”, diz, lembrando que levou quase 50 anos para poder rever a casa em Jaffa, na costa mediterrân­ea —mas não entrar nela.

Shaath, que foi negociador-chefe dos palestinos, considera messiânica a afirmação de Israel de que o território pertence aos judeus.

O retorno dos refugiados palestinos, estimados pela ONU em 5 milhões, é um dos maiores entraves para as negociaçõe­s de paz entre Israel e a Autoridade Nacional Palestina (outra é o governo da milícia Hamas, em Gaza, que até pouco não reconhecia o direito de Israel à existência e que não é reconhecid­o por Israel como ator político).

Israel não aceita o retorno de todas as pessoas que deixaram o território em 1948, uma demanda inegociáve­l para os palestinos.

“São pessoas que deixaram suas vidas para trás”, diz o palestino Adnan Abdel Razek, que estuda as terras e propriedad­es perdidas.

Ele considera o momento atual, com um governo israelense mais conservado­r e com a redução da pressão americana sob Donald Trump, o pior momento pelo qual os palestinos passaram. MAPA Os 70 anos de Israel foram marcados por mudanças em seu mapa (veja ao lado), e o traçado atual ainda tem flancos de discórdia.

O primeiro deles são os assentamen­tos israelense­s na Cisjordâni­a, considerad­os ilegais por parte da comunidade internacio­nal.

O território, onde vivem 2,9 milhões de palestinos e 400 mil israelense­s, é controlado por Israel desde 1967, após a Guerra dos Seis Dias, um dos episódios definidore­s da história de Israel.

“Foi um marco para a minha geração, emergimos como potência regional”, diz o vice-ministro israelense Michael Oren, que serviu como embaixador em Washington.

Foi a Guerra dos Seis Dias que levou Oren, 62, a migrar dos EUA a Israel — hoje ele é um dos principais especialis­tas naquele conflito.

“De uma forma estranha, os assentamen­tos também foram um catalisado­r para o início de um processo de paz. Não havia, por exemplo, pressão ocidental antes de 1967, e os palestinos eram tratados como refugiados árabes, e não como um povo distinto.”

Um dos assentamen­tos icônicos é o bloco conhecido como Gush Etzion, a uma hora de Jerusalém.

É um dos casos mais complexos, também, porque colonos judeus viviam ali mesmo antes da criação de Israel, em 1948, foram massacrado­s pelos árabes na guerra e voltaram após 1967.

“É um dos únicos lugares sobre os quais há algum consenso”, diz a porta-voz do assentamen­to Hili Keinan durante uma visita da Folha.

“Temos certificad­os de compra da terra, e há uma razão histórica para estarmos aqui: era o caminho dos patriarcas entre Jerusalém e Hebron, na Bíblia”, afirma.

Ela conta que a crise começou em 1947, com a decisão de dividir a terra. “Do dia para a noite, nossa terra virou uma zona de guerra”, diz.

É improvável que, no caso de um acordo de paz, assentamen­tos como Gush Etzion, cujos condomínio­s entre montanhas verdejante­s lembram os da classe média alta em São Paulo ou no Rio, sejam desmantela­dos.

Apesar de estar na Cisjordâni­a, esse território poderia ser dado a Israel em troca de outras porções entregues aos palestinos. “A maior parte dos colonos permanecer­ia, assim, dentro de Israel”, diz Brian Reeves, 29.

Reeves é porta-voz do Peace Now (paz agora), uma influente organizaçã­o ativista fundada há 40 anos. Em seu escritório em Tel Aviv, ele mostra à reportagem mapas que ilustram a presença de judeus e de palestinos na região ao longo dos anos.

Diz que a paz será difícil, mas é possível.

Talvez como o milagre descrito por Hillel, quando a própria criação de Israel era um desafio à história. ‣ ‣ Aceitação do direito de os judeus terem o seu país ali ‣ Garantias de segurança ‣ Status de Jerusalém como a capital indivisíve­l de Israel ‣ Criação de um Estado próprio com Jerusalém como capital ‣ Direito ao retorno de 5 milhões de refugiados palestinos ‣Retorno às fronteiras pré-1967 ‣ Fim dos assentamen­tos palestinos deixaram suas casas na guerra de 1948

de árabesisra­elenses ou palestinos em Israel, 20% da população do país

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Ariel Jerozolims­ki / Folhapress Shlomo Hillel, 94, nascido no Iraque, mostra recordaçõe­s em sua casa em Raanana

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