Folha de S.Paulo

Sempre soube que um dia eu escaparia e conseguiri­a chegar à terra de Israel

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Eu sou testemunha de dois eventos cruciais na história do povo judeu: o Holocausto, quando 6 milhões de nós foram mortos pela Alemanha nazista, e a guerra de independên­cia travada em 1948.

Nasci no que é hoje a Lituânia. Àquela época, meu vilarejo era parte da Polônia. Vivi em diversas cidades e, em 1939, quando os alemães invadiram Varsóvia, eu estava lá. Celebrei o meu Bar Mitzvah –o rito de passagem judaico, aos 13 anos– durante a ocupação nazista.

Fui levado clandestin­amente à União Soviética e meus pais ficaram na Polônia. Tentei encontrá-los depois da guerra, mas nunca soube o que aconteceu de fato. Acho que tiveram o mesmo fim do resto dos judeus dali: morreram de fome ou doença no gueto.

Recebi uma educação sionista e fui educado em hebraico. Mesmo vivendo nos guetos ou lutando com grupos armados contra os nazistas, eu sempre soube que um dia eu escaparia e conseguiri­a chegar à terra de Israel.

Eu não sabia se teríamos ou não um Estado para os judeus, mas queria participar daquele movimento. Era meu sonho desde criança e o Holocausto fortaleceu o sentimento: éramos um povo à margem da humanidade e havia por fim chegado a hora de deixarmos a Europa.

Em abril de 1945, antes do fim da guerra, eu fugi. Migrei ilegalment­e, com documentos forjados. Cheguei na noite de Natal daquele ano ao porto de Naharya, no norte. Nós escolhemos aquela data porque sabíamos que os soldados britânicos estariam distraídos, celebrando.

Passei quatro meses em um kibutz –uma comunidade agrícola típica daquelas décadas– ordenhando vacas. Depois, me juntei às milícias judaicas lutando contra a presença britânica.

Quando as Nações Unidas decidiram dividir a Palestina em dois Estados, um para os judeus e o outro para os árabes, nós fomos às ruas celebrar. Dançávamos! Mas os árabes declararam a guerra. Minha namorada morreu. Os palestinos impuseram a tragédia a eles mesmos.

Lutei na guerra de independên­cia de 1948 defendendo Jerusalém. Casei durante um cessar-fogo e voltei à batalha. Fiquei no Exército por 25 anos, participan­do da guerra de 1956 no deserto do Sinai e da Guerra dos Seis Dias de 1967, mais uma vez defendendo Jerusalém.

Sentíamos que, se perdêssemo­s aquelas batalhas contra os árabes, seríamos jogados ao mar. Nós ainda nos lembrávamo­s do que tinha acontecido conosco na Europa anos antes, durante o Holocausto.

Depois desse período dedicado à segurança do Estado que ajudei a criar, quis usar o resto da minha vida para celebrar o mundo que havia deixado para trás, que tinha sido destruído. Fui chefe do Yad Vashem –o memorial do Holocausto– por 21 anos. Aposentei-me e, desde então, estudo o genocídio dos judeus no território soviético.

Esperamos desde o início da independên­cia ter paz, mas a situação é mais complexa agora e é difícil enxergar o que será do próximo dia. Todas as soluções para resolver a crise são perigosas. (DB)

 ?? Ariel Jerozolims­ki/Folhapress ?? O israelense Yitzhak Arad, 91, de origem lituana, que sobreviveu ao Holocausto e viu a fundação de Israel
Ariel Jerozolims­ki/Folhapress O israelense Yitzhak Arad, 91, de origem lituana, que sobreviveu ao Holocausto e viu a fundação de Israel

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