Polícia investiga denúncia de abuso sexual no Santos
Jogador diz ter sido vítima, aos 11 anos, de olheiro que virou coordenador
Acusado é sócio do presidente do clube em empresa que gerencia carreira de jogadores
A Delegacia de Repressão e Combate à Pedofilia em São Paulo abriu inquérito na última segunda-feira (16) para investigar denúncia de abuso sexual de menores no Santos.
Ruan Petrick Aguiar de Carvalho, 19, registrou um boletim de ocorrência na última sexta-feira (13) em que acusa o coordenador das categorias de base da agremiação, Ricardo Marco Crivelli, conhecido como Lica, de abusar sexualmente dele quando era garoto e desejava uma vaga nas categorias de base do clube.
O crime teria acontecido em 2010. Na época, Ruan, que atuava como meia-atacante, tinha 11 anos.
Crivelli é sócio do presidente do clube, José Carlos Peres, na Saga Talent Sports & Marketing, empresa que faz o gerenciamento da carreira de atletas profissionais, entre outras atividades.
A reportagem tentou por dois dias entrevistar Ricardo Crivelli. Em troca de mensagens, ele disse que apenas se pronunciaria por meio de seu advogado, Adriano Vanni.
Na segunda (16), Vanni pediu 24 horas de prazo para responder. Disse que teria que ler o boletim de ocorrência. Nesta terça (17), afirmou que só irá se pronunciar quando tiver acesso a novos documentos sobre o caso.
No boletim, ao qual a Folha teve acesso, Ruan afirma ter sido abusado sexualmente por Crivelli em março de 2010, em uma noite que dormia na casa de seu empresário, antes de ser levado para o Santos, onde o acusado trabalhava como observador de novos jogadores.
“Lica passou a aliciar a vítima e passar a mão em seu corpo, pegando em seu órgão genital e iniciou sexo oral”, diz o boletim, reproduzindo as palavras de Ruan.
Aprovado em teste no Santos, ele ficou no clube por cerca de 18 meses. Quando foi para o time sub-13, alega que começou a rejeitar as propostas do hoje coordenador. Pouco depois, foi dispensado.
“Foi muito difícil para mim revelar isso tudo. Fiquei revoltado por muito tempo, usei maconha e cocaína, não parava em clube nenhum. Não é nada agradável contar essa história para os outros”, disse Ruan à Folha.
Para deixar registrada publicamente a denúncia, ele já havia gravado vídeo, também enviado para a reportagem, acusando o hoje dirigente.
“Em uma noite em que nos conhecemos, dormimos juntos e foi quando ele abusou de mim sexualmente. Ele mexeu nas minhas partes íntimas, fez sexo oral em mim e prometeu me trazer para o Santos. Poucos dias depois eu estava no Santos”, diz Ruan na gravação.
“Não comentei com ninguém porque se eu falasse para o meu pai ele iria mandar eu voltar, e eu não queria. Estou falando hoje porque não quero que isso aconteça com outras pessoas, pois isso é muito comum no futebol.”
Ruan afirma que recebia salário do Santos e um valor extra pago por Crivelli. Mas houve um mês em que o dinheiro foi pago por José Carlos Peres, hoje presidente do clube alvinegro.
“Recebia por fora do Lica [olheiro na época e atual coordenador da base do Santos] e cheguei a receber uma vez do atual presidente”, afirma, citando que atuava na equipe em que estava Arthur Gomes, hoje jogador do elenco profissional da agremiação.
Ruan rodou por clubes do interior de São Paulo e do Paraná, sem conseguir se firmar e com problemas disciplinares. Neste ano, apareceu para fazer outro teste para tentar voltar ao Santos. Ao ouvir que Crivelli ainda estava no clube, rejeitou e foi para a Portuguesa Santista, que está no Campeonato Paulista da Série A-3. Ao ouvir que não havia mais vagas no clube, começou a chorar e foi convencido a denunciar.
“Eu pensei que meu filho estava sendo bem cuidado no Santos. O Lica dizia que meu filho tinha muito talento e que iria longe. Eu nunca entendi porque o Ruan não conseguia se firmar em time nenhum. Agora entendo”, disseà Folha o pai de Ruan, Redvaldo Santana de Carvalho.
O Sindicato dos Atletas Profissionais de São Paulo foi informado do caso e disse estar acompanhando.
Em reunião do comitê de gestão do Santos realizada na segunda, Crivelli foi afastado do cargo. O presidente do conselho deliberativo, Marcelo Teixeira, afirma ter sido informado verbalmente da acusação e pediu que fosse apresentada uma versão por escrito para investigação.