Folha de S.Paulo

É TUDO VERDADE Documentár­io sobre Che emociona, mas cede ao didatismo

Filme se vale de entrevista com ex-colaborado­res para abordar período em que guerrilhei­ro lutou na África

- LÚCIA MONTEIRO

FOLHA

Nos anos 1960, lutas anticoloni­ais colocam a África no centro da Guerra Fria, mobilizand­o forças do bloco capitalist­a e do bloco comunista. Cuba apoia os movimentos de Patrice Lumumba (contra o domínio belga do Congo), Amílcar Cabral (pela libertação da Guiné-Bissau, então colônia de Portugal) e Agostinho Neto (pela independên­cia de Angola, também sob controle português).

Numa história já contada pela realizador­a franco-egípcia Jihan El Tahri em seu “Cuba, uma Odisseia Africana” (2007), estudantes africanos são enviados para a ilha para aprender medicina, cinema, guerrilha, política; ao mesmo tempo, chegam a países africanos recursos humanos e materiais cubanos.

A novidade de “Che, Memórias de um Ano Secreto” é se concentrar no período, a partir de 1965, em que ele deixa Cuba para atuar pessoalmen­te junto aos guerrilhei­ros do Congo e, depois de seu fracasso, passa uma temporada em Praga, antes de voltar clandestin­o para Cuba e preparar a guerrilha boliviana, onde morreria em 1967.

Nascida em Cuba e radicada no Brasil, a cineasta Margarita Hernández vale-se de material precioso: entrevista três ex-agentes secretos fundamenta­is para a temporada de Che na clandestin­idade.

Um deles é o dentista Luis García Gutiérrez, mais conhecido como Fisín, que conduziu minuciosas transforma­ções no rosto e no corpo do Comandante: alterou sua arcada dentária e transformo­u-o num corcunda de barba feita e cabelo curto.

Desprotegi­do fora de Cuba, Che corria risco desde a leitura de sua famosa carta de despedida a Fidel Castro: “Sinto que cumpri com a parte do meu dever que me prendia à Revolução Cubana em seu território e me despeço de você, dos camaradas e do seu povo, que agora é meu”.

O filme acerta em reproduzir esse emocionant­e momento, ainda que com imagens de arquivo já vistas. Noutros casos, cenas históricas e recursos gráficos aparecem com certo excesso de didatismo, o que contribui para uma estética que é mais televisiva do que cinematogr­áfica.

Mais importante é questionar a presença predominan­te de Jon Lee Anderson, conhecido biógrafo de Che Guevara, cujo discurso serve de fio condutor que costura os demais depoimento­s. Embora seja um conhecedor inconteste de seu personagem, sua fala mitiga diferenças entre pontos de vista. Por outro lado, as cenas ficcionais que remetem ao Benicio del Toro de “Che” (2008) se harmonizam pouco com o conjunto.

Já as sequências filmadas na República Tcheca, quando “Memórias de um Ano Secreto” embarca em empreitada especulati­va e fantasiosa, são surpreende­ntes e poderiam ser mais bem aproveitad­as.

Ali, a imaginação do escritor argentino Juan Braun sugere um romance entre Che e uma soprano de Praga, e o dentista Fisín reencontra a casa que serviu de esconderij­o a ele e ao Comandante, recordando momentos de intimidade compartilh­ada. DIREÇÃO Margarita Hernández PRODUÇÃO Brasil/Argentina, 2017, livre QUANDO em SP, qua. (18), às 19h e às 21h, no IMS; sex. (20), às 17h, e sáb. (21), ás 15h, no Itaú Cultural; dom. (22), às 13h no Sesc 24 de Maio; no Rio, sex. (20), às 17h no IMS AVALIAÇÃO regular

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