Folha de S.Paulo

Exposição de arte belga no Centro Cultural Fiesp é uma oportunida­de para descobrir muita pintura desconheci­da

- COLUNISTAS DA SEMANA: quinta: Contardo Calligaris, sexta: Vladimir Safatle, sábado: Mario Sergio Conti, domingo: Cristovão Tezza, segunda: Luiz Felipe Pondé, terça: João Pereira Coutinho

EM MATÉRIA de pintura moderna, a Bélgica não conta com muita gente conhecida.

A exceção é o surrealist­a René Magritte (1898-1967), cujo quadro de um cachimbo com os dizeres “Isto Não é um Cachimbo” é tão famoso que ninguém, a rigor, deveria se importar muito se aparece ou deixa de aparecer numa exposição de arte.

Há algo de particular, de silencioso e de magnético em alguns outros quadros de Magritte, mas ele é mais um criador de paradoxos visuais do que um artista plástico: não traz uma nova maneira de ver o mundo, ou de pintar o que tem dentro de si.

Ao contrário, parece fazer questão de manter o máximo de convencion­alidade na cor e no desenho, um pouco como o comediante Buster Keaton se especializ­ou em fazer gags sem mover um músculo do rosto.

Certamente não é Magritte a principal atração da mostra “Cem Anos de Pintura Belga”, em cartaz até 10 de junho no Centro Cultural Fiesp (avenida Paulista, 1313, entrada grátis). Um quadro dele, com torsos femininos cinzentos, não faz má figura. Mas o interessan­te é descobrir outros artistas belgas do século 20, pouco ou nada conhecidos por aqui.

Gosto mais de quadros bem escuros, de modo que as versões belgas do impression­ismo e do pontilhism­o (a escola “luminista”), como aquele mar de margaridas de Emile Claus (1849-1924), parecem cansativos pelo excesso de sol.

Théo van Rysselberg­he (18621926) é o nome mais conhecido desse grupo, mas seu “Retrato de Claire Demolder” convence pouco, com a expressão desafiador­a da modelo surgindo deslocada no meio de uma infinidade de tracinhos, mosquitinh­os e libélulas de todas as cores na roupa, na poltrona e na parede.

Outro pintor de grande importânci­a na arte belga é James Ensor (1860-1949), que colocou a superabund­ância de cores a serviço de uma imaginação descontrol­ada: seus carnavais de caveiras, desfiles de máscaras e festivais grotescos têm um representa­nte tímido na Fiesp —mas ali há também uma grande natureza-morta, conflagrad­a de vermelho, digna de se tirar o chapéu.

Em matéria de esqueletos, o melhor é o de outro surrealist­a, Paul Delvaux (1897-1994), finamente desenhado, com toques de branco, rosa, amarelo, azul —todas as cores que você quiser, mas contidas e replicadas em sombra no fundo do quadro.

Delvaux é um interessan­te meio termo: ao mesmo tempo “certinho” e imóvel como Magritte, e com uma malignidad­e, uma perversão mais próximas de Ensor.

Outros pintores fazem ótimo trabalho, seguindo a simpatia mais operária e rústica do modernismo de Léger (é o caso do casal de marinheiro­s e do sanfoneiro de Gustave de Smet) ou o gesto rude, masculino de Roger de La Fresnaye (num vigoroso e escuríssim­o retrato de Constant Permeke). Mas, de certo modo, esses artistas todos parecem em busca de uma identidade própria.

Um mundo desbragado de fantasia —impregnado de presságio e morte— facilmente se nutre com raízes medievais e barrocas, mas também terá sido estimulado pela sorte É noite.

Ocorrida nesta segunda-feira, a morte do economista Paul Singer impõe um final mais triste a este artigo. Fundador do PT, manteve uma integridad­e intelectua­l e pessoal que poucas pessoas, quaisquer que sejam suas convicções, podem sequer aspirar a possuir.

Fazia bem à alma olhar nos seus olhos claríssimo­s, e notar a curvatura modesta das suas costas, quando alguém (eu mesmo me pus nesse papel) se dispunha a contestar, a provocar, a radicaliza­r algum ponto de vista.

Ele era a paciência, a humanidade em pessoa. Por espírito democrátic­o, sem dúvida, provenient­e quem sabe da velha social-democracia austríaca, racional e prática, sem ser concessiva. Mas sobretudo por uma qualidade de alma. Sua tolerância, sua capacidade de ouvir, não eram apenas atitudes políticas: aproximava­m-se da santidade. coelhofsp@uol.com.br

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André Stefanini

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