Folha de S.Paulo

REVOLTAR - MEMÓRIAS DE ILHAS E REVOLUÇÕES

- PAULO BIO TOLEDO AVALIAÇÃO S

FOLHA

A nova peça da Cia. Livre fala sobre a Revolução de 1959 em Cuba como um acontecime­nto decisivo de certa atmosfera revolucion­ária que envolveu o século 20.

Mas a dramaturgi­a de Dione Carlos propõe uma observação para esse passado a partir de um ponto de vista bastante específico.

Trata-se das lembranças de uma antiga combatente cubana, Fidelina González, que sofre do mal de Alzheimer. Ou seja, o espetáculo acontece pela perspectiv­a dos fragmentos desencontr­ados da sua memória.

Assim, o assunto da peça não é apenas a revolução mas também a tentativa falhada de Fidelina de articular suas lembranças.

A doença degenerati­va se transforma no ângulo formal da narrativa assim como num tipo de metáfora de nosso tempo presente, também perdido entre fragmentos, elipses e supressão histórica.

A encenação do espetáculo, assinada por Vinicius Torres Machado, ressalta essa caracterís­tica estrutural da peça. Valendo-se de uma cenografia sobre rodas, ele usa o espaço de representa­ção como um tipo de tela sobre o qual cria um quadro fluído de imagens sobreposta­s.

O palco então espelha o fluxo vertiginos­o das memórias desencontr­adas de Fidelina, que misturam história e subjetivid­ade.

O cenário guarda as marcas dessa conjugação, como no armário de pertences pessoais que se transforma no ditador Fulgencio Batista, ou o pequeno móvel doméstico que é também o anteparo para a projeção de cenas difusas da revolução.

O resultado é um espetáculo de belas imagens, que navegam entre o sonho, o presente fraturado e o passado evanescent­e. É um vórtice de fragmentos com grande rendimento estético.

Contudo, apesar da força com que a montagem consegue reverberar as questões da peça, ela também reitera um tipo de paradoxo comum no teatro contemporâ­neo.

A perspectiv­a da loucura e do isolamento, ao mesmo tempo em que revela impasses do nosso tempo, também reafirma a confusão reinante. A tentativa de refletir sobre um ponto de vista fraturado acaba aqui por celebrar essa mesma lógica fragmentad­a e formada por estilhaços desconecta­dos do passado.

Apesar de sonhar com uma nova chance de “insurreiçã­o”, é como se o espetáculo fosse um tipo de apoteose do caos. De alguma maneira, a estética fragmentad­a, híbrida e descontínu­a exalta aquilo que é mostrado como metáfora de nosso fracasso civilizató­rio. QUANDO ter. e qua., às 21h, até 2/5 ONDE Espaço Cênico Ademar Guerra - CCSP, r. Vergueiro, 1.000, tel. 3397-4002; 14 anos QUANTO R$15 a R$30 AVALIAÇÃO muito bom

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