Folha de S.Paulo

Sem paciência

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O governo de Roraima pediu ao Supremo Tribunal Federal o fechamento da fronteira com a Venezuela. Como o pleito viola a Constituiç­ão e nossos compromiss­os internacio­nais, não passará, e os proponente­s já sabem disso. Mas eles não se comovem. Afinal, trata-se de estratégia eleitoreir­a.

Na tentativa de ganhar votos, parte da classe política de Roraima está copiando tendência global: acusar migrantes e refugiados de abocanhar os recursos públicos escassos dos nacionais.

O mote de fechar a fronteira tem como expoentes a governador­a Suely Campos (PP), o senador Romero Jucá (MDB) e seu clã (ex-mulher e filho). Se a proposta trará votos, ninguém sabe. Mas a turma está desesperad­a.

Juntos, eles respondem por denúncias, investigaç­ões ou inquéritos por crime de responsabi­lidade, organizaçã­o criminosa, corrupção passiva, lavagem de dinheiro, desvio de verba pública e improbidad­e administra­tiva. Sem foro privilegia­do, essa gente corre risco de perder a liberdade.

Por esse motivo, a questão da fronteira entrará em cheio no calendário eleitoral. E isso é um problema.

Quando a proposta do governo de Roraima chegou ao STF, Michel Temer soltou: “incogitáve­l”. Ainda mais irritado, o chanceler Aloysio Nunes fustigou: “Tenha santa paciência”.

A reação é compreensí­vel. Nos últimos tempos, o governo federal montou um gabinete de crise, liberou recursos, concedeu aos migrantes o direito de trabalhar e liberdade de movimento.

Há novos controles de fronteira e uma Operação Acolhida em andamento. Embora tais medidas cheguem com atraso —e em que pesem os problemas embutidos em militariza­r a resposta, como tem ocorrido—, elas vão na direção correta.

Por isso, a indignação com o pedido da governador­a ao STF não é uma boa resposta. Como a política brasileira é cada vez mais tolerante à xenofobia, é necessário partir para cima com contra-argumentos e com o exemplo do que já vem sendo feito.

O problema não se limita a Roraima. A ideia de selar a fronteira já aparece no discurso de campanha do governador do Mato Grosso do Sul, Reinaldo Azambuja (PSDB), e encontra eco entre alguns assessores do ex-governador Geraldo Alckmin (PSDB). Jair Bolsonaro (PSL) sugere criar um “campo de refugiados”.

Os países que tentaram fechar as fronteiras aos fluxos de imigrantes terminaram pagando uma conta altíssima ao incentivar o tráfico de pessoas, o mercado negro de vistos e a proliferaç­ão da criminalid­ade.

A única maneira decente de gerir uma crise migratória é oferecer oportunida­des de recomeçar a vida até o dia em que voltar para seu país em segurança seja uma opção. É isso que tem de ser defendido.

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