Folha de S.Paulo

O Rio do Rappa

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RIO DE JANEIRO - Qualquer pessoa interessad­a em aprender, por meio da arte, quão caótica foi a vida no Rio dos anos 1990 precisa passar pela obra do Rappa, uma das bandas mais populares de sua geração —e que, segundo seus integrante­s, encerrou sua carreira de 25 anos no último fim de semana.

Se o rock nacional dos anos 1980 teve o mérito de testar os limites da então renascida democracia do país, colocando em suas letras críticas políticas e sociais explícitas, a década seguinte viu surgir uma leva de bandas oriundas de classes mais pobres, cujos integrante­s viveram de fato a miséria, a violência e a falta de amparo do poder público.

O Rio foi o principal polo dessa geração e o Rappa, seu maior expoente. O sucesso da banda se explica pela combinação de um som que misturava referência­s diversas —reggae, dub, samba, rock, pop, samples—, um vocalista carismátic­o e elétrico e um bem articulado discurso que não apenas denunciava as desigualda­des e o preconceit­o que as sustentava­m, mas se recusava a abaixar a cabeça.

Seu disco de estreia, “O Rappa” (1994), abria com “Catequeses do Medo” e seguia com “Não Vão me Matar” e “Todo Camburão Tem Um Pouco de Navio Negreiro”, entre outros petardos.

“Rappa Mundi” (1996) e “Lado B Lado A” (1999) consolidar­am o gruponopaí­s.Foiaépocae­mqueachapa esquentou à vera no Rio, e estava tudo lá: o varejo das drogas (“A Feira”), os pedintes e camelôs (“Miséria S.A.”), a reação das favelas às chacinas (“Tumulto”), as extorsões cotidianas da PM (“Tribunal de Rua”), a falsa segurança da classe média entrinchei­rada (“Minha Alma”).

No século 21, a banda alternaria percalços e sucesso com uma nova geração de fãs. Mais rica, mais famosa, parecia refletir a mudança por que passou o Rio. Mas como este viu essa fase acabar melancolic­amente. marco.canonico@grupofolha.com.br MATIAS SPEKTOR

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