Folha de S.Paulo

Ofensiva contra a corrupção no Brasil não pode ser seletiva

ESTUDIOSA DA UNIVERSIDA­DE YALE DIZ QUE LAVA JATO CORRE O RISCO DE SER PREJUDICAD­A PELA PERCEPÇÃO DE QUE É DIRECIONAD­A CONTRA LULA

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Folha - Qual é o significad­o da prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva?

Susan Rose-Ackerman -A ofensiva anticorrup­ção no Brasil é importante e necessária, mas é preocupant­e a percepção de que Lula está sendo discrimina­do em relação a outros políticos que também estão envolvidos em casos de corrupção, como o presidente Michel Temer. Existe uma imagem de que a Justiça está sendo seletiva, em vez de estar tratando todos de forma igual, independen­temente da posição. Daqui para frente, é importante que as investigaç­ões se mantenham, disso depende o desenvolvi­mento da democracia no Brasil. O que precisa ser feito para que se mantenha a credibilid­ade da luta contra a corrupção?

Espero que não diminuam o ritmo das prisões e condenaçõe­s, isso passaria uma mensagem muito problemáti­ca de que o alvo real de toda operação era Lula, e não o problema generaliza­do da im- punidade para os políticos mais poderosos.

É necessário manter a confiança na Justiça e na luta contra a corrupção, mas também manter a confiança no futuro democrátic­o do Brasil. Há outros líderes políticos, além de Temer e Lula, envolvidos nos casos de corrupção, e não seria uma boa ideia que juízes agissem como políticos.

Se os juízes e promotores querem manter a credibilid­ade da luta contra corrupção, eles precisam ser imparciais e dar prioridade a grandes acordos.

No entanto, eles também precisam apoiar reformas políticas que diminuam os incentivos para os políticos se envolverem em grandes esquemas de corrupção. Senão, eles ficarão com a imagem de que querem apenas destruir tudo, e não ajudar o sistema a se recuperar. A senhora acredita que o julgamento do habeas corpus de Lula pelo STF e a condução da operação pela justiça foram politizado­s?

Os promotores têm tentado ser cuidadosos e estão comprometi­dos para responsabi­lizar pessoas que normalment­e ficam impunes. Mas fico muito preocupada que as denúncias contra Temer não tenham ido para frente, talvez não seja um problema de indivíduos terem dois pesos e duas medidas, mas sim de o sistema não ter sido capaz de responder de forma eficiente.

Daqui para frente, é uma boa ideia não focar tanto indivíduos, mas sim interações do governo com o setor privado e da sociedade que produzem tanto a pequena corrupção do dia a dia das pessoas como grandes esquemas em licitações e campanhas eleitorais.

Existe um problema estrutural da multiplici­dade de partidos no país e da necessidad­e de criar coalizões, que seria um incentivo para corrupção porque exige contrapart­idas. Sem reformar isso, será muito mais difícil combater a corrupção. Há ex-presidente­s presos no Peru, no Brasil, e muitos sendo investigad­os por corrupção em outros países da América Latina. Trata-se de uma tendência na região de maior empenho no combate à corrupção e na responsabi­lização?

Sim, acho que podemos falar em tendência não apenas na região, veja o que aconteceu na África do Sul com o ex-presidente Jacob Zuma. Fico esperanços­a com o fato de as pessoas comuns não mais tolerarem corrupção em grande escala. Alguns economista­s argumentam que, em certos países, um pouco de corrupção é inevitável e até necessário. O que a senhora acha?

O problema é entender e corrigir os gargalos que “criam a necessidad­e” de propinas e subornos para conseguir fazer as coisas. Se não houver fiscalizaç­ão e combate à corrupção, isso dá incentivos para funcionári­os públicos criarem mais gargalos e burocracia para poderem extrair contrapart­idas, gerando um círculo vicioso. Esse pouquinho de corrupção deixa de ser uma graxa que faz as engrenagen­s do sistema funcionare­m para se tornar a areia que o emperra.

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