Governo é cobrado por falha em combater guerrilha
A terra vermelha que gruda nos sapatos e na traseira dos carros de quem vai à fronteira do Brasil com o Paraguai é a mesma em que se cultiva a maconha consumida em São Paulo, no Rio e outras cidades do Cone Sul.
A mesma Pedro Juan Caballero que atrai compradores e estudantes de medicina virou ímã para facções do tráfico, que disputam não só a passagem da erva pela fronteira como o cultivo, atividade inédita entre as quadrilhas.
Tanto a paulista PCC (Primeiro Comando da Capital) quanto a carioca Comando Vermelho (CV) tinham acordos com os produtores paraguaios. O fiador da transação era Jorge Rafaat Tourmani, empresário de pneus e mão invisível nos negócios legais e ilegais na fronteira.
O pilar caiu em 15 de junho de 2016. Rafaat foi morto por matadores ligados ao PCC, que atingiram sua Hummer blindada com 50 tiros de metralhadora, alguns deles de .50, calibre antiaéreo.
A demonstração de força foi o início de uma série de crimes violentos. O número de brasileiros de fora da região presos no Paraguai e ligados às facções cresceu, confirmam policiais dos dois países ouvidos pela Folha.
Armando Cantero, promotor antidrogas de Pedro Juan Caballero, afirma que os brasileiros disputam principalmente a extorsão na fronteira, cobrando percentuais para a passagem da maconha, mas também de cigarros e outros contrabandos.
Ele atribui a violência à briga entre ramos do PCC, como ocorre em outras partes do Brasil, mas considera que ainda não tenha chegado a seu ponto máximo.
“Não existe mais um cabeça na região, o que leva a uma briga aberta que a qualquer momento pode explodir.”
“O PCC veio com força para dominar o ciclo de produção. O que eles querem é eliminar os intermediários e ter capacidade de produzir”, diz Francisco Ayala, diretor de comunicações da Secretaria Nacional Antidrogas (Senad).
Segundo Ayala, a maior parte das prisões de brasileiros nas lavouras ocorreu nas proximidades de Pedro Juan Caballero e de Capitán Bado.
Ambas são localidades do departamento de Amambay, o campeão em área cultivada no Paraguai, com 1.063 hectares destruídos em 2017. DESARTICULAÇÃO O avanço brasileiro, diz o membro da Senad, levou paraguaios que antes dominavam a parte agrícola a migrar a departamentos vizinhos, encarecendo a operação.
Por outro lado, não houve mudança significativa na área de cultivo calculada pelo governo paraguaio, de cerca de 4.000 hectares.
A terra fértil, o clima favorável e os cerca de 400 km de fronteira seca, pelos quais se pode cruzar sem impedimentos, não são os únicos facilitadores à produção da droga.
Embora tenham crescido apreensões e destruições de lavouras, a Senad sofre de baixo orçamento: US$ 10 milhões ao ano. “Também nos complica a falta de controle aéreo e terrestre”, diz Ayala, que saúda a cooperação com a Polícia Federal brasileira para ações nas lavouras.
Foi o que aconteceu nesta semana, em uma operação de erradicação de cultivos que levou à destruição de 152 hectares de produção em Amambay, gerando prejuízo aos traficantes de US$ 15 milhões.
Mas a falta de mais ações conjuntas com o país é criticada. “Conseguiríamos um trabalho coordenado se houvesse confiança”, diz Cantero.
Ele cita a falta de comunicação em grandes operações, como a intervenção na segurança do Rio. “Eles saem das favelas e vêm para cá. Quando conseguimos desmantelar uma célula, chega outra.”
Ex-presidente do Senado e alvo de atentado de traficantes em 2010, Robert Acevedo considera que a cooperação precisa ser de alto nível. “Os presidentes devem entender a situação como prioridade.”
Para ele, que tenta se eleger deputado, o problema também está nos políticos em Assunção. “Para muitos, é uma solução para sobreviver e gerar riqueza. Como é que aqui tem plantação e em Ponta Porã não?”
DO ENVIADO A PEDRO JUAN CABALLERO
Em ato de desespero, Obdublia Florenciano ameaçou se crucificar. Uma semana antes, ela montara acampamento à beira de uma estrada no norte do Paraguai com marido e dez filhos, à espera do derradeiro destino do 11º.
Suboficial da Polícia Nacional, Edelio Morínigo foi sequestrado em setembro de 2014 pelo Exército do Povo Paraguaio (EPP), guerrilha que defende o direito à terra e usa os sequestros para chamar atenção à sua causa.
A última prova de vida foi enviada em novembro daquele ano, quando os criminosos publicaram um vídeo sobre o estado de outro prisioneiro, o adolescente brasiguaio Arlan Fick. Filho de um pecuarista, ele viria a ser libertado no mês seguinte após a família pagar US$ 300 mil.
Já do policial nada se soube até o dia 11, quando a Força-Tarefa Conjunta (FTC), tropa de policiais e militares criada para combater a guerrilha, entregou à família um panfleto em que o grupo anunciava a morte dele.
O volante levou a um cerco de uma área de 600 hectares de floresta e plantações perto de Arroyito, no departamento de Concepción, a 300 km da capital, Assunção.
Sete dias depois, não há respostas. A FTC diz que houve tiroteios no fim de semana, mas ninguém foi preso.
A ameaça de dona Obdublia veio na segunda (16). Em resposta, a porta-voz da polícia, Elisa Ledesma, negou que a instituição tenha deixado a família desamparada.
“O comandante tem muita atividade neste momento por causa das eleições.”
Na tarde desta quarta, porém, Luis Carlos Rojas deixou seus afazeres em Assunção e visitou os parentes de Morínigo, que desmontaram o acampamento na sequência.
Após declarar no fim de semana que o EPP estava encurralado, o porta-voz da FTC, Luis Apesteguía, mudou a versão nesta quarta (18). “Encurralar não é o termo correto. A superfície é muito grande para a tropa que temos.”
O orçamento anual da tropa de cerca de 200 combatentes é de US$ 30 milhões. Em dez anos, a força não desmantelou a guerrilha, que passou de 15 para 350 combatentes no período. Ao menos 65 pessoas foram mortas pelo grupo em ataques. ELEITOREIRO Opositores ao presidente Horacio Cartes questionaram se ele havia acionado o grupo por motivos eleitoreiros.
No mesmo dia, a Suprema Corte aprovava sua candidatura ao Senado, junto com a do vice, Juan Afara, e a do expresidente Nicanor Duarte.
Cartes e Duarte só poderiam ser senadores vitalícios, cargo assegurado a quem já foi chefe de Estado, e Afara estaria proibido de concorrer por não ter renunciado.
O governista Mario Abdo Benítez e o opositor Efraín Alegre defendem manter a FTC, apesar dos resultados. (DZ)