Folha de S.Paulo

O ônus da prova

- LAURA CARVALHO COLUNISTAS DA SEMANA segunda: Marcia Dessen; terça: Benjamin Steinbruch; quarta: Alexandre Schwartsma­n; quinta: Laura Carvalho; sexta: Pedro Luiz Passos; sábado: Rodrigo Zeidan;

O ÍNDICE de Atividade Econômica do Banco Central (IBC-Br) teve alta de apenas 0,09% em fevereiro, frustrando mais uma vez as projeções do mercado. Na comparação interanual, os números mostraram a primeira queda no ritmo de cresciment­o da economia desde agosto de 2017.

Embora esteja cada vez mais claro para os analistas que a economia patina, a confusão ainda parece reinar sobre o que explica as sucessivas frustraçõe­s. É difícil dissociar o debate sobre a lentidão da recuperaçã­o daquele que ainda permeia toda e qualquer discussão sobre as causas da crise, qual seja, o efeito dos gastos e investimen­tos públicos sobre o cresciment­o econômico.

Na visão de muitos, o descontrol­e das contas públicas é a causa fundamenta­l da recessão de 2015-2016. Um corte substancia­l de gastos e investimen­tos do governo seria, portanto, o melhor caminho para a retomada da confiança dos investidor­es e do cresciment­o econômico. Desde que essa visão passou a determinar mas não mudou tanto assim.

Em linhas gerais, os críticos da política, entre os quais eu me incluo, enfatizáva­mos os efeitos altamente recessivos que os cortes de investimen­tos públicos teriam em meio à crise, o que poderia até minar a tentativa de estabiliza­ção da dívida pública. Mostrávamo­s também que os investimen­tos federais tinham ficado estagnados no primeiro governo Dilma, o que ajudaria a explicar a desacelera­ção da economia desde 2011.

A recessão profunda que se seguiu aos cortes massivos de investimen­tos 2015 turbinou essa tese, ainda que o reajuste brusco das tarifas administra­das, os juros mantidos altos, a queda no preço das commoditie­s e o impacto econômico da Lava Jato também tenham tido seu papel.

Alguns defensores da estratégia usaram a deterioraç­ão fiscal que acompanhou a própria queda do PIB e da arrecadaçã­o para afirmar que nem sequer houve ajuste. Outros reconhecer­am o esforço de cortar despesas, mas considerar­am que seriam necessária­s medidas adicionais. reforma da Previdênci­a, a dívida pública continuou subindo. A economia, por sua vez, passou a contar com a ajuda da melhora no cenário externo e de políticas pontuais de estímulo ao consumo, tais como os saques de FGTS e PIS-Pasep. Na recuperaçã­o mais lenta da história das crises brasileira­s, não há sinais de que os investimen­tos privados vão atuar como motor.

Preocupado­s com o fracasso patente da estratégia definida há mais de três anos, seus defensores continuam dividindo-se entre os que negam que tenha havido contração fiscal e aqueles que ignoram seus efeitos recessivos. Os últimos têm cobrado evidências sólidas de hipóteses que ninguém adota: de que os de suas próprias teses. Que ninguém peça um estudo econométri­co que prove que toda a recessão de 2015-2016 foi gerada por excesso de gastos nos anos que a antecedera­m é sinal de que, quando se opta por analisar a economia com suas complexida­des, não há benefício em subestimar seus interlocut­ores. LAURA CARVALHO,

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