Folha de S.Paulo

Padilha remexe feridas do conflito Israel-Palestina

Psique terrorista é o cerne de filme sobre sequestro de avião com judeus

- RAFAEL GREGORIO

Cineasta denuncia ‘interdição intelectua­l’ em críticas a ‘7 Dias em Entebbe’, sobre ação que moldou o conflito

Após semanas sob um tsunami ideológico graças à adaptação para a TV de uma saga política no país natal, nada melhor que uma trama à prova de polêmicas, certo?

Errado, caso seu nome seja José Padilha. O diretor brasileiro aborda em “7 Dias em Entebbe”, que estreia nesta quinta (19), um episódio central de um dos mais duradouros conflitos da era atual: o que opõe israelense­s e palestinos.

As nações, como se sabe, disputam há 70 anos um espaço no Oriente Médio ocupado por um Estado judeu.

Este é o plano de fundo da nova incursão de Padilha no cinema a partir de Hollywood, em cujas imediações vive com a família desde 2015, sucedendo “Robocop”, de 2014.

Antes, fez história com “Tropa de Elite” (2007) e sua sequência, de 2010, o segundo maior público entre filmes nacionais (11,1 milhões).

Ladeado pelos brasileiro­s Lula Carvalho (direção de fotografia), Daniel Rezende (montagem) e Rodrigo Amarante (trilha), Padilha mira o sequestro de um avião da Air France com 248 passageiro­s, em 1976, por palestinos.

Eles recrutam estrangeir­os para realizar o plano: desviar a aeronave de sua rota original, de Tel Aviv a Paris, para Entebbe, em Uganda, país africano cujo ditador aceita fazer as vezes de anfitrião.

Depois, tornar o terminal do aeroporto local um cativeiro para, enfim, negociar com Israel, condiciona­ndo a libertação dos reféns ao pagamento de US$ 5 milhões e à soltura de mais de 50 palestinos.

A história foi contada antes em filmes. O trunfo desta releitura são descoberta­s publicadas em livro em 2015 pelo acadêmico inglês Saul David.

Da obra advêm novos detalhes, como as escolhas do sequestrad­or alemão face à iminência do ataque batizado de Operação Thunderbol­t.

É explorada a oposição entre o premiê Yitzhak Rabin (Lior Ashkenazi) e o ministro da Defesa, Shimon Peres (Eddie Marsan) —ambos futuros protagonis­tas do conflito.

O resgate que eles enfim ordenam teve no comando Yonatan Netanyahu. Única vítima entre os militares, ele era o irmão mais velho do atual premiê Benjamin Netanyahu.

Institui-se oposição: o cotidiano dos reféns, ameaçados pelo prazo minguante, versus a divergênci­a entre os políticos sobre a negociação.

Entre os sequestrad­ores havia dois alemães engajados com o comunismo, causa até então deveras alinhada ao levante palestino: Wilfried Böse (Daniel Brühl) e Brigitte Kuhlmann (Rosamund Pike).

Os reféns eram israelense­s —cidadãos de outros países foram soltos nos primeiros dias de cárcere. A oposição entre carrascos germânicos e vítimas judias quando o Holocausto ainda não completara 30 anos é um pilar do filme.

“Os marxistas daquela época se viam como inimigos do nazismo, e o Böse viu-se em conflito”, diz o diretor.

A postura do alemão “fez diferença brutal no número de reféns que morreram”, lembra Padilha, no que se revela outro sustentácu­lo da obra.

Sobressai a ausência de locuções, recurso comum aos filmes de Padilha —ele parece imprimir ideário nas reflexões do engenheiro de voo Jacques Lemoine, em ótima atuação de Denis Ménochet.

Completam o arcabouço formal a coreografi­a “Echad Mi Yodea”, do israelense Ohad Naharin, que tece as subtramas, e outra peça de Naharin em que um dançarino corre sem sair do lugar.

“Éoquevemos­noprocesso de paz”, afirma Padilha.

Metáforas e análises da psique terrorista não passaram ilesas no exterior, onde o longa estreou há um mês.

O jornal inglês The Guardian diz que o filme “nunca decola” e que “falha em capitaliza­r elenco e roteiro fortes”.

Já para o New York Times, a obra “sinaliza em direção à relevância, mas falha”.

Em Israel, sublinhou-se a oposição à leitura oficial sobre o crédito do heroísmo militar.

Padilha recebe as críticas como amostras de “interdição intelectua­l”. “A psicologia terrorista é tabu, mas a quem interessa barrar a pesquisa?”

Como em seus filmes, ele não resiste a responder a si mesmo:“Analisarqu­emdetém a narrativa é escolha política”.

 ??  ?? Daniel Brühl e Rosamund Pike como terrorista­s alemães
Daniel Brühl e Rosamund Pike como terrorista­s alemães
 ??  ?? Padilha instrui atores em cena de ataque; ‘imparciali­dade é um conceito perigoso, prefiro a objetivida­de’, diz diretor
Padilha instrui atores em cena de ataque; ‘imparciali­dade é um conceito perigoso, prefiro a objetivida­de’, diz diretor

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil