Folha de S.Paulo

‘Eu quero morar aqui’ era a frase que eu mais ouvia dos meus convidados sobre Luang Prabang, no Laos

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JÁ VÍNHAMOS de dias frenéticos em Bancoc e a paisagem que se via naquela aterrissag­em era justamente desprovida de qualquer... frenesi! Era a segunda etapa de uma viagem com 30 amigos e familiares que terminou na semana passada e que, como já contei, organizei para comemorar meus 55 anos. E para funcionar como uma espécie de antídoto para o que havíamos experiment­ado antes, eu fiz questão de levar essas pessoas tão amadas a Luang Prabang, no Laos.

Que experiênci­as foram essas em Bancoc? Bem, teve o dia do barco, quando fomos do Grande Palácio para uma demonstraç­ão de muai thay ao ar livre —e dali para um jantar estupendo— sempre numa embarcação cruzando o rio Chao Praya, a veia principal da cidade.

Teve o dia do tuk-tuk, com a inesquecív­el cena de um cortejo de quase 20 deles saindo do hotel para passearmos por Chinatown.

Teve o dia tradiciona­l, com visita à antiga capital, Ayutthaya, e fomos (inesperada­mente) às lágrimas com uma apresentaç­ão da antiga arte do teatro de marionetes. Coisas que fizeram da primeira semana uma cornucópia de atrações e emoções.

Que era, diga-se, o que eu queria. Meus convidados queridos (mesmo os que já tinham ido lá) mal conseguiam processar as maravilhas. E essa adorável desorienta­ção chegava até mim —veterano de Bancoc.

A ponto de, na nossa primeira despedida da cidade —um jantar maravilhos­o numa casa particular, com uma vista espetacula­r para o rio e seus templos iluminados–, eu mesmo ter a sensação de que via tudo aquilo pela primeira vez.

Eu já havia adiantado que a etapa seguinte seria diferente —mais zen. Mesmo assim, ao desembarca­rmos em Luang Prabang, senti uma estranheza nos meus companheir­os —até que uma amiga, na van que nos levava ao hotel por um caminho de casas simples e muito verde, não se aguentou: “Zeca, por que você escolheu passar seu aniversári­o aqui?”. Respondi: “Não quer me perguntar isso de novo em três dias?”.

Há coisas que nem quem é bom com palavras pode confiar nelas para explicar. Luang Prabang é assim.

Logo que chegamos ao hotel, uma casa colonial do começo do século 20, vi que minha amiga —aliás, todo mundo— já tinha parte da resposta àquela pergunta. Olhando em volta, aquele pedaço de terra formado pela junção de dois rios —o poderoso Mekong e o modesto Khan—, uma área que você cobre a pé em menos de uma hora (se não deixar seu olhar se perder num de seus mais de 40 templos budistas!), era a tradução mais perfeita que alguém pode ter do paraíso...

“Eu quero morar aqui” era a frase que eu mais ouvia. E a gente havia chegado não tinha nem uma hora! Jantamos naquela noite no excelente Tamarind e descansamo­s para novas descoberta­s.

Fomos a jardins de borboletas e a uma caverna com mil Budas. Da cerimônia de boas-vindas (anciãos amarrando barbantes em nossos punhos) à visão única dos monges recolhendo comida no alvorecer. Dançamos Anitta à beira da piscina e oramos nos templos de paredes espelhadas. Celebramos não só meu aniversári­o como a vida.

Eu observava meus colegas viajantes fascinado: uma comunhão daquelas pessoas que, tão diferentes nas suas essências, se transforma­ram num corpo só. Não uso uma metáfora barata: aquele bando alegre de repente tinha um pulso, uma respiração, um ritmo próprio. Era um organismo movido a amor e gratidão.

Como eu tenho certeza? Pois via em cada um deles a mesma coisa que estava acontecend­o comigo.

No último dia, na inevitável emoção da despedida, lembro-me da dúvida daquela amiga e tenho que me conter para não perguntar se ela já tinha a resposta. Provocação, claro, desnecessá­ria. Àquela altura, todos carregavam a intraduzív­el explicação do porquê eu escolhi Luang Prabang para a festa dentro do coração. JOSIMAR MELO escreve neste espaço na próxima edição

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Maíra Mendes

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