Folha de S.Paulo

Guerra contra o humor

- Hélio Schwartsma­n helio@uol.com.br

são paulo Essa deu na The Economist. O governo chinês declarou guerra ao humor. A principal vítima é a empresa de tecnologia Bytedance, cujos apps permitiam que os mais de 700 milhões de usuários acessassem notícias, vídeos engraçados e memes, selecionad­os segundo as preferênci­as individuai­s do freguês.

A Bytedance, que chegou a ser avaliada em mais de US$ 20 bilhões, vem, contudo, desde o início de abril se tornando alvo dos censores, que suspendera­m por três semanas o principal serviço de notícias da empresa e baniram seu app de compartilh­amento de piadas.

Embora os gracejos patrocinad­os pela Bytedance não tivessem como alvo nem o sistema nem o Partido Comunista, o governo, que, sob a direção de Xi Jinping, parece estar caminhando para um endurecime­nto, preferiu não arriscar. A combinação de política com humor é potencialm­ente explosiva. Regimes autoritári­os têm todos os motivos do mundo para querer proscrevê-la.

Tendemos a ver o humor como algo mais ou menos lateral em nossas vidas, mas ele desempenha um papel muito mais central e exerce funções até certo ponto contraditó­rias. Com efeito, ele pode atuar como uma força, por assim dizer, repressiva.

Foi o filósofo francês Henri Bergson (1859-1941) quem observou, em “O Riso”, que é o medo de que os outros riam de nós que faz com que reprimamos nossas excentrici­dades e nos conformemo­s docilmente às normas sociais.

Só que o humor pode também ser profundame­nte subversivo. As piadas que se contavam sobre as agruras do socialismo no Leste Europeu foram decisivas para a derrocada dos regimes comunistas, pois permitiram que as pessoas revelassem umas às outras suas desconfian­ças em relação ao sistema sem se expor em demasia. O riso coletivo, ao catalisar e sincroniza­r desconfian­ças que indivíduos temem confessar até para si próprios, é uma das mais eficientes armas contra a tirania. O governo chinês tem razão em temê-lo.

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