Folha de S.Paulo

Uma breja na padoca

- Alvaro Costa e Silva

rio de janeiro Você sabe o que é berimbolar? E memeia? São palavras que aparecem no livro de contos “O Sol na Cabeça”, de Geovani Martins. Fora de contexto, precisam de tradução. O autor explicou à repórter Camila Zarur, da revista piauí, que a primeira indica confusão ou problema; a segunda é uma frescura qualquer.

O uso de gírias na literatura é um risco, ainda mais quando tão específica­s, colhidas na vivência de Martins em favelas da zona sul carioca. O relato pode datar rapidament­e, na mesma velocidade em que a expressão desaparece como código restrito a pequenos grupos. Mas, se usado na dose certa, pode conferir vida permanente ao texto. Recurso que dá a impressão de que o narrado está sempre acontecend­o, não importa a época.

Marques Rebelo realizou isso plenamente desde o título de seu romance “Marafa” (vida desregrada, libertina). Não havia como contar de outra maneira uma história passada na zona, entre putas, pugilistas, fuzileiros navais, mocinhas suburbanas. Na novela “Desabrigo”, Antônio Fraga constrói uma linguagem e um glossário do Mangue: mosquear é ficar sem fazer nada e trela, uma conversa fiada.

Maior cronista do Rio nos anos 1920, Orestes Barbosa tinha seu próprio “argot”. Nele, branca é uma navalha e nobre, um ladrão que não mata. Em suas andanças em busca de inspiração na vida real dos personagen­s, o escritor João Antônio elaborou um vocabulári­o das ruas anotado em guardanapo­s: giz ou crivo (cigarro), caneta (perna de mulher), óleo ou gás (dinheiro).

O autor de “Meninão do Caixote”, que viveu entre São Paulo e Rio, ficaria surpreso em saber que gírias paulistas nunca fizeram tanto sucesso entre cariocas como agora. Reportagem de Gilberto Porcidonio no jornal O Globo mostra que, impulsiona­das pelas redes sociais, expressões como daora, sussa, sensa, treta, breja, padoca, baita e feijuca invadiram as praias. E aí, mermão?

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil