Folha de S.Paulo

NÃO Respeitem a dor de quem fica

- Simão Pedro Sociólogo, ex-deputado estadual em São Paulo pelo PT (2003-2013), foi secretário de Serviços da Prefeitura de São Paulo (2013-2016, gestão Haddad)

O agora ex-prefeito João Doria (PSDB) chamou a privatizaç­ão do Serviço Funerário Municipal de “a joia da coroa” das entregas que pretendia realizar na capital, proposta lamentavel­mente autorizada há alguns dias pelo Tribunal de Contas do Município.

Ele usou até um termo pejorativo para se referir às 220 mortes que, em média, ocorrem diariament­e na cidade: “indústria da morte”, alvo de cobiça do setor privado.

O Serviço Funerário Municipal (SFM) é um monopólio do município e assim foi pensado porque a morte é um momento de dor para as famílias, em que o amparo do Estado é fundamenta­l.

Doria ignorou que é dos registros do SFM que saem as políticas de vigilância epidemioló­gica, informaçõe­s sobre causa das mortes e estatístic­as de violência, dados que precisam estar sob o controle público — além disso, os cemitérios são espaços de cultivo da história e cultura.

O SFM é o responsáve­l pela gestão de um crematório, 15 agências, 118 salas de velórios e 22 cemitérios. Quando assumimos a gestão, em 2013, estava desmantela­do e com déficit de R$ 18 milhões.

O quadro era produto do sucateamen­to programado pela gestão Serra/Kassab (2005-2012) para justificar e fazer a população aceitar a ideia de uma privatizaç­ão, como agora.

O tempo de espera entre o momento da compra do serviço e a chegada do corpo para ser velado demorava em média absurdas 8 horas; velórios e crematório estavam sucateados; não havia logística racional de transporte; os preços dos serviços estavam defasados; “papa-defuntos’ (agentes privados de fora) agiam clandestin­amente; funcionári­os com baixos salários e baixa autoestima; sepultador­es usando métodos antigos; contratos caros de fornecedor­es; e a corrupção corria à solta.

Para enfrentar a situação, reajustamo­s os salários dos que ganhavam menos; atualizamo­s as taxas; realizamos pregões eletrônico­s e baixamos custos; mudamos a logística e descentral­izamos o atendiment­o; contratamo­s novos carros; e reformamos o crematório para funcionar de 12 para 24 horas.

Por meio de emendas, reformamos os velórios e agências. Abrimos duas novas no IML central e no SVO (Serviço de Verificaçã­o de Óbitos) para combater os “papa-defuntos”; realizamos concurso público e compramos escavadeir­as para os sepul- tadores. No combate a furtos, ampliamos, com a Guarda Municipal, a vigilância 24 horas dos cemitérios Consolação, Araçá e São Paulo; colocamos iluminação nos cemitérios São Pedro, Vila Formosa, Consolação, Araçá e no crematório da Vila Alpina; e devolvemos o serviço de recolha de corpos para o Estado.

Resultado: melhoramos os serviços prestados e diminuímos o tempo de espera de 8 horas para 1 hora e meia. Em 2016, o SFM tornou-se superavitá­rio em mais de R$ 3 milhões, como reconheceu o TCM.

Na parte da valorizaçã­o da memória, estabelece­mos com a PUCSP um programa de materiais pedagógico­s; aulas para docentes da rede municipal; levantamen­to e conservaçã­o da arte tumular; desenvolvi­mento de site e aplicativo para visitas autoguiada­s.

Foram oferecidas atividades de música, cinema e teatro; palestras sobre o luto infantil e parental. O SFM recebeu o Prêmio “Experiênci­a Destacada” da Associação Internacio­nal de Cidades Educadoras pelo programa “Memória e Vida”, que sintetizou a ocupação cidadã dos cemitérios. A privatizaç­ão dos serviços funerários não significa melhoras. Existem vários exemplos de onde piorou e encareceu para os cidadãos. Vamos ficar nas mãos dos “papa-defuntos”?

Os problemas que ainda persistem devem ser superados e não usados como desculpas para a privatizaç­ão. A morte como objeto de lucro representa degradação moral e é contrária aos anseios de uma cidade melhor e mais humana.

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Lívia Serri Francoio

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