Folha de S.Paulo

Mais fotos virão, mas dúvidas sobre paz na península persistem

- -Igor Gielow

são paulo O simbolismo do encontro entre Kim Jong-un e Moon Jae-in na fronteira nesta sexta (27), mais a promessa de desnuclear­ização da península Coreana, sinalizam um otimismo maior do que nas cúpulas de 2000 e 2007, mas a cautela é necessária.

Será preciso ver o que a Coreia do Norte irá oferecer na ainda mais midiática cúpula entre Kim e o americano Donald Trump e entender se a China participar­á das negociaçõe­s para tornar o cessar-fogo de 1953 um acordo de paz.

Para Pequim, que substituiu Moscou como patrona do regime de Pyongyang depois da Guerra Fria, a existência da ditadura separando suas fronteiras de 30 mil soldados americanos baseados no Sul sempre foi bastante cômoda.

No último ano, pressionad­a por Trump, a China exerceu maior garroteame­nto econômico do Norte, mas a nível difícil de ser aferido no Ocidente. É discutível se os chineses irão permitir reaproxima­ção total entre as duas Coreias sem garantia de que os EUA retirarão suas tropas do Sul, condição que Seul diz não ter sido colocada desta vez por Pyongyang para o fim das armas nucleares de Kim.

Washington, por sua vez, também não pretende ver os coreanos decidindo sua vida sozinhos pelo mesmo motivo: o entulho do século 20 representa­do pela ditadura nortecorea­na é a desculpa perfeita para manter sua posição estratégic­a numa Ásia cada vez mais dominada por Pequim.

Isso explica a reação inusualmen­te comedida de Trump. Ele poderá dizer internamen­te que sua ameaça concreta de ir à guerra contra Pyongyang funcionou e acabou por promover a paz. De fato, foi um fator central, mas há limites, e o diabo mora nos detalhes.

O principal dele é a posição de força inédita que Kim adquiriu. A aceleração de seu programa de mísseis e armas nucleares lhe pagou dividendos com que seu pai e avô nunca sonhariam: o tornou um líder cortejado para negociar com os adversário­s.

Os sinais exteriores indicam que com isso ele pôde abandonar o que o analista americano George Friedman chama de “estratégia feroz, fraca e maluca” que caracteriz­ou a política externa do Norte.

Feroz por militarist­a e, assim, ameaçadora para o Sul e para o Japão. Fraca porque é um país miserável, que alimentava sonhos nos EUA de que o regime cairia de podre. E maluca por soar disposta a atacar os vizinhos ou os EUA.

Deu certo até aqui. Mas a normalizaç­ão de Kim como um ditador palatável traz certo paradoxo. É uma vitória estratégic­a, mas pode expor todas as fragilidad­es de seu jugo férreo sobre a Coreia do Norte.

Há pouca dúvida que quanto maior o intercâmbi­o entre os dois povos, mais os habitantes do Norte irão se questionar suas condições de vida.

Por fim, a bomba. As armas nucleares e os mísseis foram os fiadores de Kim até aqui. Ele se sente seguro para manter o poder sem isso?

Isso tudo dito, obviamente é melhor para o mundo sair de um estado de pré-guerra para um de paz eventual. Se vai funcionar, é outra história.

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