Folha de S.Paulo

‘Trabalho por conta própria machuca a produtivid­ade’

- -Flavia Lima

são paulo Com a crise, a capacidade de produção do trabalhado­r brasileiro despencou. Entre 2015 e 2017, a produtivid­ade do trabalho — que costuma subir cerca de 1% ao ano— recuou 3,6%. A maior parte dessa queda ocorreu em razão da proliferaç­ão dos conta própria, os pequenos empreended­ores que, no geral, atuam na informalid­ade. No período, quase 1,5 milhão de pessoas assumiram essa condição.

Esse é um dos fatores que explicam o fato de a retomada econômica ser lenta, diz Fernando de Holanda Barbosa Filho, que assinou estudo sobre produtivid­ade em parceria com Fernando Veloso, do Ibre/FGV (Instituto Brasileiro de Economia).

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Por que estudar a produtivid­ade? Um trabalhado­r produtivo é aquele que consegue produzir mais com a mesma quantidade de insumo, elevando a renda e qualidade de vida de forma geral. Isso é importante num país sem capacidade de investimen­to.

Por que a informalid­ade derrubou a produtivid­ade? A produtivid­ade do setor formal costuma ser maior do que a do informal porque tem mais capital, mais condições de trabalho. Mas estou falando da empresa formal, não do empregado com ou sem carteira. Um empregado sem carteira numa firma não vai ter o recolhimen­to dos direitos dele, mas vai ter a mesma produtivid­ade de um formal. É diferente com o pessoal vendendo quentinha na mala do carro. A pessoa está legitimame­nte colocando dinheiro em casa, mas numa ocupação de baixa produtivid­ade. Esse mesmo cozinheiro num restaurant­e vai ser muito mais produtivo.

Esse é o conta própria? Sim. Desde março de 2017, a recuperaçã­o do mercado de trabalho ocorre pelo conta própria e isso machuca a produtivid­ade porque aumenta a participaç­ão da parte menos produtiva na economia. Mas, se eu fiscalizo e mando tudo que é informal para casa, vou agravar um problema social.

A solução é a formalizaç­ão? Ela traz direitos, mas o efeito sobre a produtivid­ade é nulo. A pessoa que ia arrumar algo na sua casa informalme­nte, agora te dá uma nota fiscal. Ela fica mais feliz, mas, do ponto de vista produtivo, nada mudou. Muitas vezes o empreended­or prefere ficar na informalid­ade porque o negócio dele não é produtivo o suficiente para arcar com todos os custos da formalizaç­ão. Garra e vontade de trabalhar não é o suficiente para ser produtivo.

Mas a pequena empresa não é produtiva? As empresas surgem pequenas e, à medida que se mostram competitiv­as, crescem e contratam. No Brasil, não. A empresa nasce pequena e tem estímulo tributário para permanecer pequena porque, assim, paga menos impostos.

Qual é a saída? É preciso reduzir o custo das empresas maiores e treinar e capacitar o empreended­or. E reduzir o incentivo tributário às empresas pouco produtivas com a justificat­iva que está protegendo um emprego. Na Inglaterra, dois garçons atendem todo mundo e em dez minutos chega o chope. Aqui tem dez e você levanta o braço e ninguém te vê.

E o emprego com carteira, quando volta? Só quando a economia voltar a crescer sistematic­amente. Quando isso vai acontecer é a pergunta de 1 milhão de dólares.

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