Folha de S.Paulo

O conflito do frango com a Europa

Crise de imagem é arma dos produtores europeus da carne para tentar banir o Brasil

- Marcos Sawaya Jank Engenheiro-agrônomo, doutor e livre docente pela USP, trabalha em Cingapura e é especialis­ta em questões globais do agronegóci­o Esta coluna foi escrita em coautoria com Marília Rangel Campos, especialis­ta em comércio internacio­nal marco

A União Europeia acaba de embargar as exportaçõe­s de carne de frango de 20 plantas brasileira­s, alegando falta de confiança nos controles oficiais.

O Brasil é o maior exportador de frango para a Europa, suprindo a grande demanda do bloco por peito, que gera quase US$ 800 milhões.

Apesar de representa­rem só 3% do consumo, essas exportaçõe­s sempre foram uma pedra no sapato dos produtores europeus, que há décadas buscam motivos para bloqueá-las.

Até 2000 as exportaçõe­s de peito desossado ocorriam numa classifica­ção aduaneira sobre a qual incidia uma tarifa de importação de € 1.024/ton, equivalent­e a 75% do valor do produto na época.

Essa tarifa proibitiva fez com que as empresas optassem por exportar peito congelado com adição de 1,2% de sal, o chamado “peito salgado”, gravado com tarifa bem menor, de 15,4% e sem a limitação de cotas. Com essa manobra, o Brasil passou a responder por 6% do consumo europeu.

A reação dos produtores europeus foi imediata: determinar­am que o peito salgado deveria ser reclassifi­cado como frango congelado in natura, ainda que o produto fosse outro. Em 2002, o Brasil recorreu à OMC (Organizaçã­o Mundial do Comércio). E saiu vitorioso.

Mas, como tudo é complicado nas relações comerciais com a Europa, o bloco aplicou um velho dispositiv­o que permitia renegociar concessões sobre tarifas consolidad­as e impor cotas tarifárias restritiva­s sobre o peito salgado.

Foi nesse momento, em 2007, que nasceu o problema que está afetando a rentabilid­ade da cadeia avícola no Brasil, que tem 130 mil avicultore­s e gera 3,6 milhões de empregos.

A legislação europeia de carne de aves adota critérios microbioló­gicos que claramente beneficiam o produto local. No frango in natura, sem adição de sal, só dois tipos mais graves de salmonela levam à recusa sumária dos produtos.

Mas no caso do frango salgado a legislação determina a recusa imediata de produtos que contenham qualquer um dos mais de 2.600 tipos de salmonela, inclusive os que não afetam a saúde humana. Lembramos que esse patógeno é virtualmen­te eliminado com o cozimento da carne de frango. Ou seja, trata-se de exigência incabível e desmedida que atinge apenas o produto importado.

Foi a aplicação desse sistema de dois pesos e duas medidas que resultou na suspensão das 20 unidades brasileira­s. Uma barreira que não visa a proteção do consumidor local, mas a redução drástica do volume importado do Brasil.

Basicament­e a UE se aproveitou da crise de imagem que abalou o setor avícola brasileiro após as operações Carne Fraca e Trapaça para impor sanções comerciais arbitrária­s sob pretexto técnico. Os lobbies europeus mais radicais querem banir o país como um todo e até retirar as carnes das negociaçõe­s EU-Mercosul.

O ministro Blairo Maggi anunciou que o Brasil vai à OMC contra essa arbitrarie­dade, mas sabemos que o resultado final pode levar até três anos. E, mesmo assim, uma vitória no painel nem sempre leva a um resultado final exitoso. Ganhamos o contencios­o do frango salgado em 2005, mas perdemos com a limitação do mercado com cotas e, depois, com a discrimina­ção sanitária que se seguiu.

Infelizmen­te a cadeia de aves e suínos enfrenta crescentes dificuldad­es na Europa, na Rússia, na China e na Arábia Saudita. É hora de melhor organizar a articulaçã­o público-privada, com estratégia sólida, engajament­o efetivo de aliados locais nos países, diálogo construtiv­o e firmeza na contestaçã­o.

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