Folha de S.Paulo

Com peixes mortos, rio Tejo vive dias de Tietê

Moradores de aldeias em Portugal culpam empresa de celulose por espuma branca nas águas e desapareci­mento de animais

- -Paulo Markun

portugal Há 16 anos, Hugo Sabino 1 ganha a vida no rio Tejo. A 200 quilômetro­s de Lisboa, transporta passageiro­s dispostos a pagar dois euros para usar a barca do Arneiro, encurtando o caminho até Santana, uma cidadezinh­a do Alto Alentejo. Sua escassa clientela tem hora marcada: oito vezes ao dia, quatro nos trens sentido Lisboa/Covilhã, mais quatro na direção oposta.

O que não tem aparecido mais para Hugo são peixes. As lampreias, então, que ele adora, simplesmen­te sumiram. O barqueiro tem uma explicação e solução simples: “Fosse um país civilizado, essa fábrica, a Celtejo, estaria fechada. A culpa é da Celtejo. Não quero que a empresa feche, só quero que não mate o rio”.

Os pescadores da aldeia vizinha Santana já não tiram seu sustento do rio, como Hugo. E endossam as críticas do barqueiro à empresa que fabrica 218 mil toneladas por ano de pasta de celulose na vizinha Vila Velha de Ródão.

No Clube Recreativo e Desportivo de Santana, um grupo ouvido pela Folha não hesita em falar mal da Celtejo, no grande esteio econômico da região e agora, para eles, a semente de todos os males.

Para quem tem na memória as imagens do Tietê ou do Pinheiros, o Tejo que Hugo cruza todos os dias nem parece tão mal. A água é translúcid­a, as margens têm vegetação e há até passeios turísticos pelo rio. Mais abaixo, em Lisboa, pescadores amadores marcam presença diariament­e no calçadão construído junto ao rio e conquistam suas tainhas.

No final de janeiro, um manto de espuma branca e consistent­e cobriu o rio na altura de Vila Nova de Ródão. Diante da cobertura intensa da imprensa, caminhões e trabalhado­res removeram a espuma até uma estação de tratamento de esgotos. O governo fez mais: reduziu a produção da Celtejo em 50%, primeiro por dez dias, depois por mais um mês. Ainda persiste um diminuição de 30%.

Otávio Paiva de Rosa, 77, 2 pescou a vida toda, até se aposentar. Onde costumava apanhar carpas, passou a encontrar apenas lagostins vermelhos, uma espécie originária da Luisiana, que foi introduzid­a na Espanha nos anos 70 e acabou se disseminan­do pela península ibérica. Hoje, nem lagostins há mais.

Recentemen­te, a disposição

dos moradores de Santana e de outras aldeias mudou: “O pessoal morria de medo de falar mal da Celtejo. Mas como ela está com a imagem suja, já ninguém se contém”.

Eduardo Ribeiro, 52, e Fernando Tomás, 55, 3 continuam a viver da pesca, mas reclamam muito. Dizem que os peixes sumiram depois que a Celtejo passou a fornecer pasta de celulose para duas empresas que se instalaram ao lado da fábrica, chamadas Paper Prime e Navigator.

“Essas empresas fabricam guardanapo­s e toalhas de mesa de papel, e a Celtejo mudou seu processo. Passou a usar mais produtos químicos. De vez em quando, nos finais de semana, há lançamento­s clandestin­os”, dizem.

Assunto é o que não falta nas mesas do Clube de Santana. Em outubro do ano passado, milhares de peixes —achigãs, carpas, barbos, bogas e até lagostins— apareceram boiando nas águas do Tejo, entre Vila Velha de Ródão e a barragem do Fratel, uns 30 quilômetro­s abaixo.

Análises comprovara­m que a causa da morte foi a falta de oxigênio, causada pela proliferaç­ão de algas.

José Moura, 57, técnico de informátic­a na Biblioteca de Nisa 4 , volta e meia aparece no Clube. Além de namorar uma moradora da aldeia, ele acaba de ser reeleito um dos porta-vozes do Movimento proTejo, criado em setembro de 2009, logo após um protesto que reuniu 40 mil de pes- soas em Talavera de La Reina, na Espanha, em defesa do rio.

Em maio, o proTejo vai realizar mais uma descida de canoa pelo Tejo, o sexto Vogar Contra a Indiferenç­a. O novo alvo do proTejo é um projeto que pretende investir 4 bilhões de euros (mais de R$ 16 bilhões) para tornar o rio navegável entre Lisboa e Abrantes, com a construção de novas barragens. E sobre o qual não há, até o momento, nenhum debate público.

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Fotos Vitorino Coragem/Folhapress Rio Tejo na altura da aldeia Vila Velha de Ródão, em Portugal, próximo à fronteira com a Espanha; um manto de espuma branca cobriu as águas da região em janeiro
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