Folha de S.Paulo

Por uma refeição sem a TV ligada

- Marcos Nogueira folha.com/cozinhabru­ta

Uma queixa aos editores deste jornal: o roteiro de restaurant­es e bares diz onde tem ar-condiciona­do, wi-fi, manobrista e até indica as casas que aceitam cachorros, mas não denuncia os estabeleci­mentos com TV.

A presença de uma televisão ligada no salão é um acinte, um desrespeit­o às liberdades individuai­s. Saio para comer uma pizza e sou obrigado a ouvir a voz do Faustão. Vou tomar meu café na padoca e, em qualquer direção que eu olhe – os múltiplos monitores são a metástase desse cancro–, vejo o Louro José.

É ano de Copa do Mundo, indício de que a situação deve se agravar.

O problema começou lá em 2010, com a queda do preço dos aparelhos de tela plana, o Mundial da África do Sul e a expectativ­a da Copa seguinte em território nacional. Em 2014, as casas que ainda não tinham TV se prepararam para transmitir o 7 a 1 com a mais alta tecnologia.

Se os comerciant­es se limitassem a ligar a coisa apenas na hora do futebol, teríamos um acordo civilizado. Quem quer assistir ao jogo vai ao boteco; quem não quer, vai antes ou depois.

Na mentalidad­e estreita dessas pessoas, porém, o investimen­to precisa ser pago. Então as TVs ficam ligadas diuturname­nte. Passam a novela. O Datena. O programa matinal de saúde, com o diabo do proctologi­sta que montou uma maquete gigante do intestino grosso –e que calha de ser meu ex-colega de escola.

Quando os clientes preferem conversar, põem “closed caption”. Aquelas legendas em tempo real.

Conversar, por sinal, é uma impossibil­idade nesses lugares. Nossos olhos convergem para a tela. O engarrafam­ento na marginal Tietê mesmeriza.

Costumo ser um sujeito moderado, mas neste caso proponho uma terapia de choque no estilo “Laranja Mecânica”. Fazer os donos de bares e restaurant­es assistirem a uma maratona de Domingão do Faustão.

Quero ver se eles vão ousar ligar a TV de novo.

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