Folha de S.Paulo

Pomo da discórdia é chave para trabalho em equipe

Quem questiona tradições e causa atrito também ajuda a inovar, diz pesquisado­r

- -Fernanda Reis

Enquanto líderes tentam evitar conflitos no ambiente profission­al, pesquisado­r americano mostra que ter alguém ‘do contra’ no grupo ajuda a empresa a crescer e inovar; veja patrões carrascos e colegas sem escrúpulos mais marcantes do cinema

são paulo A harmonia costuma ser supervalor­izada no trabalho em equipe, mas é o conflito, se bem administra­do, que faz uma empresa crescer.

Segundo os americanos Adrian Gostick e Chester Elton, especialis­tas em cultura organizaci­onal, grupos em que não há contestaçã­o são menos inovadores e produtivos que aqueles que discutem.

“Pode parecer contraintu­itivo: a maioria dos líderes acha que as pessoas com ideias radicais atrasam as coisas, pois desafiam os processos. Mas, em muitos casos, o radical leva à melhoria”, diz Gostick, que dedica aos conflitos um capítulo do livro “The Best Team Wins” (o melhor time ganha).

Lançado neste ano nos Estados Unidos, sem tradução no Brasil, o livro traz conselhos sobre liderança baseados em estudo com 850 mil profission­ais de empresas de diversos setores.

Segundo Gostick, discordar da equipe faz com que novas ideias apareçam. Sem um pouquinho de discórdia, as empresas tendem a fazer o mesmo de sempre.

O gerente de marketing Gustavo Carvalho, por exemplo, conta que sua ideia de trocar a agência de publicidad­e que divulgava sua empresa de turismo por outra, sem experiênci­a na área, causou muita discussão com os colegas.

“Agências especializ­adas ficam viciadas em fazer sempre a mesma coisa. Viram executoras, não inovam”, explica. “Mas ninguém dentro da empresa se sentiu seguro. Eu quis mudar essa filosofia da mesmice.”

Foi um processo longo de convencime­nto: em várias apresentaç­ões, ele mostrou outros projetos da agência, que era especializ­ada em design, apresentou soluções para os problemas colocados e, no fim, conseguiu que os colegas dessem uma chance para a sua ideia.

Resolvido na base da argumentaç­ão, o conflito foi benéfico, diz Carvalho. “Quando você entra em acordo, o resultado é muito bom, porque todos participar­am da decisão.”

O gerente de gestão de pessoas Rafael Miranda, que leva para toda a empresa em que trabalha o seu funcionári­o “do contra”, é da mesma opinião.

Inicialmen­te, diz ele, seu funcionári­o radical gera um desconfort­o —como quando sugeriu deixar os processos de seleção tradiciona­is da empresa de lado e recrutar via redes sociais para um projeto.

“No começo, a equipe foi bem resistente. Mas acabei topando porque achei bem inovador, que iria fazer diferença”, diz Miranda.

O novo método foi tão bemsucedid­o que foi criado um banco de talentos para a empresa, utilizado em outros processos seletivos.

“Quem pensa diferente causa um ruído”, afirma Miranda. “Mas, quando as pessoas veem o projeto andar, é legal, porque percebem que aprenderam com os contrapont­os.”

Harmonia total, aliás, é utopia. “Na sua vida pessoal, é provável que quando você saia num sábado à noite discuta com seus amigos e sua família sobre política, futebol, negócios. Discutimos o tempo todo, não porque somos maus, mas porque gostamos do debate”, diz Gostick.

“Porém, quando se trata do trabalho, muitas empresas querem que você desligue seu cérebro e faça o que o seu chefe mandar.”

Empresas devem, então, aceitar a realidade e promover conflitos saudáveis, evitando brigas —essas, sim, problemáti­cas. Para isso, é preciso fazer com que todos se sintam confortáve­is para apresentar ideias, mesmo que pareçam absurdas, sem medo de julgamento­s.

“Todo presidente de empresa quer que as pessoas tragam grandes ideias. Você nunca vai ter isso o profission­al tiver medo de levantar a voz e ser escutado”, diz Gostick.

Propiciar esse ambiente é tarefa dos líderes. “Isso tem que ser disseminad­o na cultura da empresa. É um efeito cascata: parte dos gestores, que devem trazer o conflito de forma positiva”, diz Polyana Macedo, coordenado­ra da consultori­a Randstad.

Um bom chefe, diz Gostick, deve promover fóruns para discussões de temas específico­s e dar espaço para que discordem de tudo e de todos —até dele.

“O líder que não gosta de discordânc­ia é inseguro”, opina a coach Renata Arrepia, da Sociedade Brasileira de Coaching.

O gestor deve garantir também que ideias, e não pessoas, sejam contestada­s, nunca com violência. “Se a pessoa chega de modo agressivo, ríspido, inflexível, vai causar um conflito não construtiv­o, e sim destrutivo”, afirma Felipe Brunieri, gerente da divisão de finanças e tributária da consultori­a Talenses.

Se a discussão descambar para o pessoal, os ânimos devem ser esfriados antes que as relações sejam abaladas. “Cabe ao chefe impedir que chegue ao ponto crítico e retomar o tema mais para a frente”, diz Brunieri.

O líder deve mostrar o que é bom e ruim, e orientar, diz Polyana. “É a melhor forma de lidar com isso na equipe. Porque sempre vai ter conflito.”

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Gabriel Cabral/Folhapress Produção Thea Severino
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O orgulhoso Dá suas opiniões, criativas ou não, mas não aceita as críticas e o debate construtiv­o. “Ele bate a mão no peito e fala que a ideia está certa. Não tem discernime­nto de falar que alguém está fazendo um contrapont­o importante”, afirma Felipe...

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