Folha de S.Paulo

Consumidor do futuro escolherá produtos de origem local e empresas com causa

Comprador do futuro vai privilegia­r marcas engajadas em temas socioambie­ntais e produtos locais, diz consultori­a de tendências

- -Ana Luiza Tieghi

são paulo A preferênci­a do consumidor será cada vez mais por produtos feitos perto de onde ele vive e por marcas engajadas em temas que considera importante­s.

Esse novo perfil, chamado de “localtivis­ta”, é apontado pela consultori­a de tendências WGSN Mindset no estudo “O Consumidor do Futuro 2020”. Foi desenvolvi­do a partir da análise de especialis­tas da consultori­a em diversos países e divulgado na quarta-feira (25).

Os “localtivis­tas” estão determinad­os a manter o dinheiro em suas próprias comunidade­s. Assim, priorizam o produto feito na região onde moram e acabam com aquela ideia de que “o que vem de fora é melhor”.

Não significa, diz Luiz Arruda, diretor da WGSN Mindset, que esse público sejam contra o modelo capitalist­a ou que rejeite completame­nte as grandes marcas. “Ele joga as regras do jogo capitalist­a. Não vilaniza as grandes companhias, mas só vai falar com elas se elas falarem com ele.”

O comportame­nto já está presente a olho nu nos Estados Unidos e na Europa. É o movimento “buy local” (compre localmente).

“O ‘buy local’ também tem a questão pró-ambiente, porque você diminui o impacto da logística de levar o produto por grandes distâncias”, diz Benjamin Rosenthal, especialis­ta em cultura do consumo e professor da FGV (Fundação Getulio Vargas).

Segundo Rosenthal, esse movimento no Brasil é restrito ao consumidor de renda maior —quem ganha menos ainda busca o acesso a grandes marcas—, mas está em ascensão.

Segundo o professor, o movimento predomina em setores com forte presença de grandes indústrias, como alimentaçã­o, higiene pessoal e vestuário. Nesses mercados, o traço artesanal do produto local é indicador de qualidade.

A empresária Georgia Halal, 35, que tem um ateliê de moda feminina em Pinheiros, zona oeste de São Paulo, diz que o valor de sua marca está no fato de as roupas serem feitas por ali e no contato da cliente com quem produz.

“As pessoas, hoje, têm maior preocupaçã­o com a origem das roupas”, afirma.

Há três anos, a Cooperapa, cooperativ­a formada por agricultor­es de Parelheiro­s, zona sul da capital, fornece vegetais orgânicos para o Instituto Chão, loja na Vila Madalena, na zona oeste, que revende os alimentos ao preço do agricultor e cobra uma taxa facultativ­a sobre esse valor.

Depois, surgiram chefs de cozinha interessad­os em comprar vegetais cultivados na própria cidade. A primeira foi Paola Carosella, dona do restaurant­e Arturito. Hoje, a clientela inclui os restaurant­es Antonietta Cucina, Chou e outros oito em São Paulo.

“A procura é maior do que conseguimo­s atender”, diz Arpad Spalding, que é um dos cooperados da Cooperapa.

Ele afirma que a produção local é uma vantagem para os chefs porque eles têm acesso fácil aos produtores e podem ver a plantação.

Para os consumidor­es do futuro, não é apenas uma questão de qualidade. A imagem da empresa contará tanto ou até mais que o produto.

Uma pesquisa sobre consumo divulgada no ano passado pela consultori­a Cone mostrou que 78% dos americanos querem que as empresas se pronunciem sobre temas sociais importante­s.

A maioria (87%) diz estar disposta a comprar um produto de uma companhia que defende um assunto com o qual se importa, e 76% declaram que recusariam o serviço de uma empresa que se declarasse contrária a seus valores pessoais. Foram ouvidos mil americanos na enquete.

Segundo Arruda, da WGSN Mindset, esse comportame­nto está atrelado à percepção de que, para provocar mudanças, é preciso agir nas ruas, e não somente nas redes sociais. É o que a consultori­a chama de “fim do ativismo do sofá”.

“As empresas precisam casar seu discurso com o que fazem na prática, porque o consumidor já está fazendo isso,” diz Arruda. Segundo ele, agir de fato em prol de uma causa utilizada no marketing da empresa é a base para não parecer oportunist­a.

Arruda cita o exemplo da Amazon, que reservou parte da área de seu novo escritório, que está em construção, em Seattle (EUA), para ser um abrigo comunitári­o.

Se, mesmo com ações, parte dos clientes desconfiar das intenções da marca, é preciso perseverar, já que fazer nada não é uma escolha: em apenas dois anos, abordar temas que ressoem junto ao público será a parte mais importante do marketing, afirma o estudo da WGSN.

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