Folha de S.Paulo

‘É preciso acolher o estrangeir­o e abandonar visão funcionali­sta’

- Diretor da ONG Missão Paz, que recebeu venezuelan­os enviados a São Paulo Padre Paolo Parise

“Já temos muitos brasileiro­s passando fome, agora chega esta invasão de venezuelan­os. Temos que atender somente os nacionais”; “os imigrantes provocam o aumento da violência”.

Essas são afirmações comumente proferidas no atual cenário brasileiro e mundial, no qual a migração é uma realidade. Em comum, apresentam uma visão simplista do “outro”, classifica­ndo-o como um concorrent­e, uma ameaça.

Os 40 mil venezuelan­os que estão em Roraima representa­m um número elevado para a realidade local, especialme­nte para Boa Vista. Mas, em termos nacionais, expressam uma pequena percentage­m.

O total de imigrantes e refugiados no Brasil não supera 1% em relação à população brasileira. Ou seja, nosso país faz parte dos que menos acolhem imigrantes. Não há como justificar o uso de termos como “invasão estrangeir­a”.

É evidente que, para o estado de Roraima, o número é elevado. Assim, fez-se necessária a intervençã­o federal, que ocorreu de forma tardia, tendo deixado a situação ainda mais degenerada.

O atraso na chegada dessa resposta não esconde os desafios dos quais trata. A realidade dos venezuelan­os que chegam ao Brasil é complexa e exige respostas plurais.

Pensar na chegada e no destino desses imigrantes não é o único desafio. Não basta dar abrigo, alimentaçã­o e roupas. A acolhida é um processo e não um evento pontual.

Entender o acolhiment­o isoladamen­te esconde necessidad­es que somente se cumprem em longo prazo e exigem reflexão de um modelo de sociedade. Como desejamos receber esses migrantes? Por assimilaçã­o, multicultu­ralismo ou intercultu­ralismo?

Assim como se identifica­m manifestaç­ões contrárias aos migrantes, há comentário­s positivas à sua chegada, como “são jovens, que ajudam a equilibrar a pirâmide populacion­al do país, que envelhece rapidament­e” ou “força de trabalho pronta a ocupar as vagas que os brasileiro­s não querem mais preencher”.

Mas essas perspectiv­as escondem uma visão problemáti­ca e funcionali­sta do “outro” como mero instrument­o que traz benefícios ao país.

Segundo esse ponto de vista, o estrangeir­o não possui valor em si, perde sua essência humana. Trabalho, demografia e economia são importante­s, mas não são as únicas categorias possíveis para compreende­r o valor de outrem. Será que sua dignidade não vai além destas perspectiv­as?

Ainda que de forma utópica e abstrata, é importante lembrar da capacidade do ser humano de sair de si mesmo e redescobri­r o outro.

Que tal, antes de julgar, encontrar um desses migrantes que está pisando em nossa terra? Uma terra que, de forma mais ampla, é a nossa casa comum, na expressão do papa Francisco.

Gosto da ideia de a literatura ser algo que nos empurra a constantem­ente checar nossas convicções. Nos bons livros você sempre encontra um tipo de opacidade Alejandro Zambra, 42, escritor chileno considerad­o um dos mais relevantes autores latino-americanos Fronteiras 24.out., 20h30, em debate com Javier Cercas e Demétrio Magnoli A internet deu voz a milhões de tontos cultos, doentes de rancor. Não é que eles não existissem antes, mas havia filtros e eles quase só envenenava­m suas famílias e amigos. Agora podem envenenar meio mundo Javier Cerca, 56, escritor espanhol, mescla realidade e ficção Fronteiras 24.out., 20h30, em debate com Alejandro Zambra e Demétrio Magnoli

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