Folha de S.Paulo

Preso encontra perdão das vítimas e se casa na unidade de Itaúna

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No fim deste ano, devo ir para casa. Estou na Apac de Itaúna há cinco anos e cinco meses, depois de um ano e cinco meses em um presídio comum. Fui condenado a 17 anos de prisão por roubo e tráfico. Ir para casa significa estar no seio da família, onde nunca estive.

Minha mãe era costureira e meu pai, traficante. Ela nunca aceitou coisa errada e não me permitia ter contato com ele.

A primeira vez que o vi foi de longe, quando estava preso na cadeia pública. Um amigo dele me levou para um terreno próximo, de onde eu acenei pra ele. Era um super-herói mesmo no pátio da cadeia.

Comecei a roubar aos 12 anos. Queria dinheiro fácil para comprar roupa e tênis “da hora”. Depois, usando drogas, entrei para o crime pesado.

Uma vez, fui a uma boca de fumo e me levaram para falar com o traficante. Era meu pai. Ele me disse: “Deus te abençoe”. Contou toda a trajetória dele, me aconselhou. Eu tinha 16 anos, entrou por um ouvido e saiu pelo outro.

Aos 18 anos, tive minha primeira condenação por assalto: três anos e seis meses de prisão. Era primário, respondi em liberdade.

Em 2006, atolado até o pescoço, caí de novo. Escrevi para o juiz pedindo para voltar para a Apac e disse que desta vez não seria tempo perdido.

Nem minha família acreditava mais em mim. Como era apaixonado por crack, eu ficava alucinado. Um dia, achando que estava sendo perseguido, eu botei fogo na casa da minha mãe, com ela dentro. Quando vi, ela estava em chamas. Peguei o lençol, joguei em cima dela, desesperad­o.

Mesmo naquela situação, o amor de mãe falou mais alto e ela disse: “Saia daqui!” Não queria que a polícia me prendesse. Eu saí e avistei uma viatura. Disse para os policiais: “Minha mãe precisa de vocês”. Na maior culpa, fiquei rondando até me prenderem.

Da prisão, mandei uma carta. Minha mãe respondeu: “Meu perdão não vai te fazer apagar os erros”. Carregava duas cruzes: o que fiz com ela e a condenação. Até que fui fazer um curso na Apac, que reuniu oito vítimas e oito agressores. O tema era assalto. Ouvi como é ser roubado. Eu não pensava na pessoa na hora de roubar.

Ali, houve uma mudança de mentalidad­e. É o que chamam de Justiça restaurati­va. Tempos depois, durante uma visita, eu disse para a pastora da Igreja Batista que eu estava pronto para pedir perdão para minha mãe. Ela foi consultada e disse que também estava pronta para me perdoar.

Finalmente, eu pude abraçar e pedir perdão para ela [chora]. Aquele abraço carinhoso me deu motivação para continuar.

Nessa época, recebi uma carta de uma menina que estava presa por tráfico. Um colega sugeriu que eu me correspond­esse com ela. Em 2013, nos encontramo­s em uma jornada espiritual que reúne presos das Apacs.

Em maio de 2014, marcamos a escolta e nos casamos no cartório. Não foi o casamento dos sonhos, eu algemado de um lado e ela, do outro.

Dizem que prisão não traz nada de bom, mas eu me casei e voltei a estudar e a trabalhar aqui. Minha esposa ganhou a liberdade, agora é plantonist­a na Apac feminina. Recebi uma bênção que nem sou digno. Temos uma filha, a quem demos o nome da minha mãe. Vi o parto da Marina. E jurei ali que o tanto que fiz minha mãe chorar, eu vou fazer minha filha sorrir.

Terminei o ensino médio. E sei o que eu quero quando sair da prisão: uma vida humilde e feliz com as pessoas que eu amo e que me amam. Se eu pudesse dar um conselho para os adolescent­es, eu diria: escutem pai e mãe.

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