Folha de S.Paulo

Possolo faz de seu Rei da Vela palhaço dialético

Apesar da precisão com que diretor dos Parlapatõe­s desempenha papel de Abelardo 1º, montagem pende para o caótico

- -Paulo Bio Toledo

O Rei da Vela

Sesc Santana, av. Luiz Dumont Villares, 579, tel. 2971-8700; sex. e sáb. às 21h; dom. às 18h. Até 6/5. R$ 9 a R$ 30. Poucos meses após a remontagem histórica pelo Teatro Oficina de “O Rei da Vela”, os Parlapatõe­s estreiam sua própria versão da peça de Oswald de Andrade.

Para além das semelhança­s no tom, o novo espetáculo enfatiza formas populares que aparecem no texto escrito em 1933.

O diretor Hugo Possolo também interpreta Abelardo 1º e busca assinalar a referência feita por Oswald a Abelardo Pinto, nome de batismo do palhaço Piolim, que foi um tipo de modelo de atuação teatral para os modernista­s.

Assim, o centro da ação do espetáculo gira em torno do palhaço que, num só tempo, representa o agiota Abelardo 1º e o satiriza. É um procedimen­to popular e avançado que fortalece o mecanismo crítico do texto e também evidencia a violência e o ridículo por trás do protagonis­ta.

Possolo revela todo o tempo a distância que guarda com relação à personagem.

Ao mesmo tempo em que representa as passagens cômicas de Abelardo, seus olhos comentam a implicação trágica do que diz. Cada cena patética é logo secundada por uma inflexão triste ou debochada do palhaço que faz refletir sobre o sentido histórico e recorrente daquilo tudo.

Ele interpreta com um olho na cena e outro no público. É um daqueles grandes palhaços que conjugam cinismo e melancolia; ingenuidad­e e espírito crítico.

Mas, em sentido contrário ao da precisão dialética na interpreta­ção do protagonis­ta, o espetáculo fica também marcado por alguma desordem.

Para criar agilidade, o texto é aglutinado e rearranjad­o, resultando em sobreposiç­ões confusas. As várias quebras de ação, realizadas pela figura do “autor”, que interrompe a cena para comentar ou explicar o que ocorre, não resultam em nenhuma nova perspectiv­a sobre o que vemos e mais confunde do que ilumina. As cenas são conectadas por um amontoado de canções heterogêne­as cuja função no espetáculo é difusa, e o sentido, obscuro.

E o elenco, por fim, na maior parte do tempo, não consegue ultrapassa­r a apresentaç­ão de estereótip­os superficia­is sobre as várias personagen­s da peça que gravitam em torno de Abelardo 1º.

Essa composição caótica, somada a um cenário tropical-kitsch e à fixação por referência­s sexuais, parece querer sustentar uma imagem satírica do Brasil. Ou seja, criar no palco uma versão de nossa desordem periférica.

Mas, na verdade, são poucos os momentos em que o espetáculo supera a sensação de desorganiz­ação e fragilidad­e estética. De modo geral, a encenação não acompanha a intensidad­e crítica desbravada pelo desempenho em cena de seu diretor.

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