Folha de S.Paulo

A corrupção nas séries

- Ricardo Balthazar Repórter especial da foi editor de Poder e Mercado Hoje, excepciona­lmente, não é publicada a coluna de Antonio Delfim Netto.

No fim da primeira temporada de “Suburra: Sangue em Roma”, série italiana sobre uma disputa entre facções criminosas, políticos corruptos e o Vaticano, um empresário ameaça chamar a polícia quando o líder de uma gangue vai até seu escritório para intimidá-lo. “Vão dizer o quê?”, o invasor pergunta. “Eles são piores do que eu.”

O universo descrito na série é dominado por criminosos que matam, corrompem e trapaceiam à luz do dia, com certeza de que ficarão impunes. O único policial chamado em cena pelo nome, um tira honesto cujo filho entra no mundo do crime, é morto assim que decide interferir nos seus negócios.

Uma realidade distinta é representa­da em “O Mecanismo”, a série que José Padilha e Elena Soarez criaram para a Netflix, inspirados pela Operação Lava Jato. A política e as empresas brasileira­s estão podres, sugere o enredo, mas um grupo de policiais implacávei­s está no encalço dos criminosos, e a punição dos culpados parece apenas questão de tempo.

O tom da série é mais crítico do que se nota à primeira vista. Marco Ruffo, o delegado de pavio curto interpreta­do por Selton Mello cujas teorias conduzem a trama, é mostrado como um desequilib­rado, que chantageia suspeitos e adota métodos rústicos de investigaç­ão ao perseguir suas obsessões.

Na vida real, procurador­es na linha de frente da Lava Jato tiveram papel decisivo, especialme­nte a partir do momento em que passaram a negociar os acordos de colaboraçã­o e persuadira­m corruptos a delatar antigos parceiros e assim salvar a própria pele.

Na ficção de Padilha e Soarez, a força-tarefa de Curitiba é reduzida a uma dupla de caráter duvidoso. O chefe parece hesitar na hora de avançar. Seu colega atravessa o caminho dos federais sem pedir licença nem buscar sua cooperação.

Delatores se revelam hábeis ao manipular os investigad­ores. Quando o principal operador financeiro investigad­o presta o primeiro depoimento como colaborado­r, seu advogado vaza para a imprensa uma mensagem telegrafad­a pelo doleiro para tentar influir na campanha eleitoral em curso.

Será preciso esperar as próximas temporadas para saber até onde os criadores da série pretendem levar sua história. O pior que poderiam fazer seria defender a noção simplista de que, para acabar com a corrupção, basta deixar a polícia à vontade para chutar portas e pôr os bandidos na cadeia.

A italiana “Suburra” soa mais persuasiva. Num filme inspirado no mesmo livro que deu origem à série, também produzido pela Netflix, um deputado corrupto cai em desgraça e perde o mandato. “Não importa”, diz o mafioso que o tinha no bolso. “Se houver novas eleições, procurarem­os outro.”

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